Um “Jantar no Ramalhete” inspirado n’Os Maias: alunos da Escola de Comércio de Lisboa levam Eça à mesa

Projecto foi desenvolvido pelos alunos do 2.º ano dos cursos de Cozinha e Pastelaria e de Restaurante e Bar. Ideia surge após leitura da obra queirosiana, para a disciplina de Português. Pratos criados são inspirados em traços das personagens.

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Projecto "Jantar no Ramalhete" Nuno Ferreira Santos

Os Maias, da autoria de Eça de Queirós, não é desconhecido dos alunos que frequentam o ensino secundário. Trata-se de um título de leitura obrigatória e que leva os estudantes a descobrir o famoso Ramalhete e a história de Carlos da Maia e Maria Eduarda da Maia, bem como de outras personagens como Maria Monforte, Afonso da Maia ou João da Ega. Na Escola de Comércio de Lisboa (ECL), a leitura de Os Maias não foi excepção, mas os alunos foram mais longe e procuraram transmitir o que aprenderam de maneira criativa. O Jantar do Ramalhete juntou na semana que passou alunos, professores, mas também convidados de honra como Afonso Reis Cabral, presidente da Fundação Eça de Queirós; Teresa Calçada, responsável do Plano Nacional de Leitura; mas também a secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Baptista Marques.

Para a disciplina de Português — que há 15 anos promove a iniciativa escolar Reanimar a Literatura, que envolve todos os alunos da escola —, juntamente com a Área Projecto, os alunos do 2.º ano dos cursos de Actividades de Cozinha e Pastelaria e de Restaurante e Bar, foram desafiados a ler o livro e a desenvolver um projecto inspirado no mesmo, com base nas qualificações adquiridas nos seus cursos. A directora da ECL reconhece ao PÚBLICO que se trata de uma “obra complexa que os adolescentes não gostam muito de ler”. Contudo, estes estudantes do ensino profissional não só leram como aplicaram à leitura o que aprenderam noutras disciplinas. “Aquilo que nós fizemos foi contextualizar a obra de acordo com a sua qualificação profissional [dos alunos]. Nós temos nove cursos, e cada uma das turmas desenvolveu um projecto de acordo com a sua qualificação”, explica a dirigente.

“Os alunos da equipa de restauração lançaram o desafio de desenvolverem um projecto a que eles chamaram o Jantar no Ramalhete. Adequaram um conjunto de pratos que estão de acordo com algumas das personagens”, continua a directora. “Nós temos a certeza que eles nunca mais vão esquecer-se de Os Maias. Conseguiram interiorizar os principais aspectos da obra que era aquilo que nos interessava, o gosto pela leitura e, portanto, nesse sentido, este é um projecto vencedor.”

Assim, os alunos das turmas de Cozinha e de Restaurante meteram, literalmente, as mãos na massa, e criaram pratos inspirados nos traços físicos e psicológicos das principais personagens. Quando teve conhecimento do menu que os estudantes desenvolveram para o projecto Reanimar a Literatura, o professor de Cozinha e Pastelaria, Luís Castelo, ficou espantado com a qualidade dos pratos criados e incentivou os jovens a fazerem um projecto mais ambicioso. “Quando vi aquele menu fiquei surpreendido, de tal forma, que lhes disse que aquele era um projecto que não podia ficar circunscrito à cadeira de Português. Disse-lhes que tínhamos de o aproveitar para a nossa cadeira de Cozinha e realizar um grande evento, que serviria de avaliação final para a nossa disciplina”, revela.

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Luís Castelo, Professor de Cozinha e Pastelaria juntamente com Felipe Scavazza, aluno na Escola de Comércio de Lisboa nuno ferreira santos

Um prato, uma personagem

Assim, para o Jantar no Ramalhete os alunos criaram seis pratos a pensar em seis personagens. Para o amuse-bouche, a escolha recaiu em Maria Monforte, representada num “Croquete de legumes assados com maionese de manjericão e lima”, um prato que, segundo os alunos, simboliza o individualismo e o egocentrismo da personagem. A entrada foi dedicada a João da Ega e ao seu carácter provocador, mas também ao seu lado romântico com um “Tártaro de Atum”. Maria Eduarda da Maia surge representada numa sopa de “Creme de Beterraba com Ovo Escalfado”, onde o creme de cor avermelhada revela a paixão e a fatalidade da personagem, já o ovo escalfado simboliza a sua delicadeza.

Para Carlos da Maia foi pensado um peixe “Raia à Lagareiro, onde o equilíbrio do prato representa a condição profissional de Carlos, médico, logo, foi feita uma escolha saudável. Já Afonso da Maia vê os seus princípios e valores tradicionais plasmados num “Borrego assado no forno com arroz de cogumelos, que é também uma referência às Beiras, de onde a família é originária. Para terminar, a sobremesa de “Pudim de Ovos retrata Pedro da Maia, que surge na obra como uma personagem frágil e com uma educação fortemente católica — daí a escolha de um doce conventual.

Felipe Scavazza, 19 anos, da turma de Cozinha e Pastelaria, foi um dos alunos envolvidos na criação do projecto. “No início, não sabíamos muito bem o que fazer e pensámos: ‘Porque não criar um menu inteiro, com pratos relacionados com as personagens?’ Primeiro fizemos um plano de cada personagem, com as suas características, o que mais gostavam de fazer, de onde eram e assim tentámos associar isso a alimentos e depois fazer um prato”, explica.

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Escola de Comércio de Lisboa
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E foi nesse seguimento, que surgiu a intenção de convidar a turma de Restaurante e Bar para colaborar na concretização do jantar: “Pensámos: ‘Já que estamos a fazer um jantar completo, porque não chamar os alunos de Restaurante e Bar para fazer um trabalho com um serviço de mesa e também a harmonização dos vinhos?’” Desta forma, as duas turmas passaram a trabalhar em equipa.

“As duas turmas estão muito envolvidas. A Cozinha foi o motor deste projecto, porque criaram efectivamente a ementa, mas os alunos de Restaurante pensaram em determinados vinhos que fizessem a ligação com as personagens. Tínhamos os pratos definidos e criámos depois a harmonização entre os vinhos e a ementa”, confirma Elisabete Faria, professora de Restaurante e Bar.

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A professora Elisbete Faria, de Restaurante e Bar

Também aceitaram este desafio alguns parceiros que quiseram juntar-se à ECL, como a Vista Alegre, a Quinta de Covela, a Adega de Ponte da Barca e o Monte do Roseiral – Vinhos. O grande destaque recai sobre o Vinho Branco Fundação Eça de Queiroz Tormes 2021, o vinho oficial da instituição, presidida pelo escritor Afonso Reis Cabral que marcou presença neste jantar. Não foi o único. A ainda comissária do Plano Nacional de Leitura, Teresa Calçada, e o ensaísta e professor universitário Carlos Reis, especialista em Eça de Queirós, juntaram-se, bem como a secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Baptista Marques, para experimentar o produto final daquele que começou por ser um projecto para apresentar à professora de Português.

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