O exército de mulheres pelo oceano ficou mais forte em Lisboa

Sessão na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, em Lisboa, abordou o contributo de mulheres para a protecção do oceano. “A gente só não manda no mundo porque não quer, mas aos poucos estamos a conseguir”, avisa a pescadora Sandra Lázaro.

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Sandra Lázaro participou numa sessão na Conferência dos Oceanos Nuno Ferreira Santos

Para combater as alterações climáticas, Estrela Matilde diz que se precisa de armar com o melhor exército: as mulheres. Quando falou desta sua estratégia na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, a bióloga até estava a referir-se ao trabalho que faz na Fundação Príncipe, na ilha do Príncipe. Mas, na verdade, na sessão que participou em Lisboa acabou por formar também um exército pelo oceano.

Num evento paralelo à conferência, o Women 4 Our Ocean, Estrela Matilde juntou-se no Pavilhão de Portugal a cinco outras mulheres que contribuem para a protecção do oceano e para a economia azul na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Foram elas: Susana Garrido, investigadora no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA); Amina Amade Cásimo, presidente da Apetur – Associação de Pequenos Empresários de Hotelaria e Turismo da Ilha de Moçambique; Diana Madeira, cientista na Universidade de Aveiro; a pescadora Sandra Lázaro; e, virtualmente, Cecília Silva, do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente de Angola.

“Este é um momento marcante. É uma onda que se está a gerar”, disse sobre este encontro de mulheres Susana Viseu, presidente da organização Business as Nature, que criou o evento em parceria com o Ministério do Ambiente e Acção Climática, o IPMA e a Casa Comum da Humanidade. “Queremos dar o exemplo de mulheres fantásticas.”

A guiar esse exército de exemplos, esteve Helena Vieira, da Universidade de Lisboa. “As mulheres participam em todos os aspectos […], mas são poucas as que têm papéis de liderança”, assinalou a moderadora, introduzindo assim esse grande desafio e da importância de se falar desta questão. E deixou uma certeza: “Se quisermos salvar os oceanos, temos de incluir as mulheres na solução.”

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Painel juntou mulheres com diferentes trabalhos relacionados com o oceano Business as Nature

Uma das questões introduzidas na sessão foi sobre as adversidades que as mulheres podem sentir mais do que os homens. Amina Amade Cásimo disse logo que vinha de uma sociedade matriarcal e não sentia essa dificuldade. “A mulher dentro da ilha [de Moçambique] é empoderada”, afirmou, dizendo que a sociedade confia mais nas mulheres. “É fácil ser mulher na Ilha de Moçambique.” Também Diana Madeira partilhou nunca ter sentido grandes adversidades. “Não sinto que tenha tido barreiras, mas a minha motivação ajudou-me”, disse a investigadora que trabalha em projectos sobre o impacto das alterações climáticas em organismos marinhos. Mesmo assim, não deixou de salientar: “As mulheres têm de mostrar que são competentes.”

"O IPMA é um caso à parte"

Quando chegou a vez de Susana Garrido responder, Helena Vieira complementou a questão: “Quão difícil seria para ti substituíres o Miguel Miranda [presidente do IPMA]? Risos soaram na sala. “Honestamente, o IPMA é um caso à parte”, disse a investigadora, indicando que o número de mulheres é superior ao nível das técnicas ou investigadoras e que o instituto tem uma vogal do conselho directivo. Contudo, o presidente é um homem. “Se houver uma mulher com motivação, teria capacidade e facilidade de chegar a presidente.”

Já Estrela Matilde, que trabalha na ilha do Príncipe, refere que, quando lá chegou, houve a questão de ser mulher e de ser uma mulher branca. Depois, houve todo um trabalho de adaptação: “Tive de compreender o que é ser mulher no lugar deles.”

A bióloga é directora da Fundação Príncipe, que tem um programa de conservação terrestre e um programa de conservação marinha. “O nosso programa das tartarugas é o nosso maior projecto e temos um projecto para criar a primeira rede de áreas marinhas protegidas do país”, especifica. Alguns dos seus focos têm sido o trabalho com os pescadores e com as palaiê (mulheres que salgam e secam o peixe) e proteger as tartarugas.

Estrela Matilde não tem dúvidas da importância dessas mulheres no Príncipe. “Elas têm um papel fundamental na economia e gestão do mar”, nota ao PÚBLICO depois da sessão. Algo determinante tem sido saber como se chega a elas. Por exemplo, se se quer reunir uma comunidade, não se pode ir às 11h da manhã, porque as mulheres estão a cozinhar. “Tivemos de desenhar os nossos projectos de maneira a conseguir ter as mulheres e os homens representados.”

Mulheres “a mandar no mundo”

Sandra Lázaro, no início da sua actividade como pescadora, assume que se teve de “camuflar um bocadinho”. “Tive de tomar decisões como eles. Os homens estavam habituados a liderar e era difícil aceitarem uma opinião vinda de uma mulher.”

A pescadora faz questão de dizer que foi “criada dentro de um barco”. “Conheço o rio [Sado] como a minha casa. O rio é a minha casa!” Nos anos recentes, tornou-se uma “guardiã do Sado”, um grupo de mulheres da comunidade piscatória do estuário que colaboram com a organização não-governamental Ocean Alive na protecção das pradarias marinhas. “Amo o rio e queria deixar para os meus netos algo de que gosto.” Hoje dá a conhecer as pradarias marinhas às pessoas. Mas confessa que é, sobretudo, através da sensibilização das crianças que chega aos adultos.

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Sandra Lázaro numa acção da Ocean Alive Nuno Ferreira Santos

Também ela não tem dúvidas a importância das mulheres no oceano. “A gente só não manda no mundo porque não quer, mas aos poucos estamos a conseguir”, lança animada em conversa com o PÚBLICO. “A mulher consegue fazer duas e três coisas ao mesmo tempo.” Além de pescadora e guardiã na Ocean Alive, Sandra Lázaro é empregada de limpeza numa fábrica. Agora, gostou de fazer parte do “exército” da sessão na Conferência dos Oceanos em que participou. “Se fosse bem procurado, ainda era capaz de se arranjar mais umas quantas. As mulheres estão a abrir os olhos.”

E não se engana. Na própria plateia, que estava bem composta, éramos capazes de encontrar outras mulheres que se têm destacado, como Luísa Schmidt, a socióloga e investigadora, que foi uma das responsáveis pela introdução da Sociologia do Ambiente no país.

Noutras intervenções na sessão, as mulheres também foram elogiadas por homens. “O empoderamento das mulheres é uma peça-chave” para a sustentabilidade, disse Gilberto Silva, ministro da Agricultura e do Ambiente de Cabo Verde. Reconheceu ainda que, pelas desigualdades que ainda existem, as iniciativas com mulheres devem ser enaltecidas.

E, porque o momento é do oceano, perguntámos a algumas delas o que desejam para ele. “Desejo saúde”, diz logo Sandra Lázaro sem papas na língua. “As pessoas têm a ideia que o mar leva tudo. Não! Ele leva daqui para o outro lado e ele não consome o lixo que a gente lá põe”, faz questão de alertar. “Desejo-lhe saúde, porque acho que ele está doente. Está a gritar por socorro e nem toda a gente o consegue ouvir. Temos de lhe dar a mão agora.”

Estrela Matilde também sabe que há muito por fazer e pede acção. “Temos de parar com as politiquices, os tratados e os papéis assinados. Temos de começar a pôr a mão na massa e controlar a sobreexploração.” E aproveita por nos relembrar que, no Príncipe, se estão constantemente a encontrar tartarugas cheias de plástico. “É um problema enorme e global. É um monstro que temos de gerir e isso tem de ser feito enquanto humanidade. Sem mar não sobrevivemos.”

Agora, saiu inspirada da sessão em que participou na Conferência dos Oceanos. “Foi uma inspiração... São estas mulheres que fazem sentido e que têm de estar à frente deste exército.” Um exército para tornar os oceanos mais saudáveis.

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