Se queremos salvar o mar, temos de pensar no planeta como um todo

No último “diálogo interactivo” da Conferência dos Oceanos, falou-se dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e de como estão interligados.

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Paulo Pimenta

Ao longo da Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que aconteceu durante esta semana em Lisboa, discutiu-se muito a protecção do mar, que constitui o 14.º dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No “diálogo interactivo” desta manhã, falou-se da relação do ODS 14 com os restantes. Numa fase ainda mais ou menos embrionária da conversa, o norte-americano James Leape, especialista em conservação da natureza que foi o moderador da sessão, resumiu o essencial das ideias que durante três horas viriam a ser apresentadas no Parque das Nações. “Nunca conseguiremos atingir os 17 ODS se olharmos para cada um deles isoladamente”, disse.

Liu Zhenmin, subsecretário-geral para os Assuntos Económicos e Sociais da ONU, foi um dos primeiros intervenientes do diálogo a estabelecer pontes. Afirmou que, se não conseguirmos atingir o ODS 14, será muito difícil aproximarmo-nos do ODS 2, que tem a ver com a erradicação da fome. “Segundo uma estimativa recente, 660 milhões de pessoas podem chegar a 2030 ainda numa situação de carência alimentar extrema”, referiu, dizendo que o peixe representa 20% do consumo de proteína animal para mais de três mil milhões de pessoas.

O diplomata chinês de 66 anos saudou o facto de, na semana passada, e após duas décadas de negociações, a Organização Mundial do Comércio ter finalmente firmado um acordo para combater os subsídios à pesca ilegal. Mas alertou para um perigo. “Acabar com os subsídios prejudiciais pode resultar em muitas perdas de empregos. E isso pode vir a ter consequências inesperadas para outros ODS. É importante que se entenda isso.”

Referindo que o ODS 14 é, dos 17, aquele em que menos se investe do ponto de vista financeiro, Liu Zhenmin terminaria a sua intervenção dizendo que, depois da Conferência dos Oceanos, haverá uma “revisão detalhada” do ODS 14 no Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontece entre 5 e 15 de Julho em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

Charlina Vitcheva, directora-geral dos Assuntos Marítimos e das Pescas da Comissão Europeia, também sugeriu associações entre o ODS 14 e outros objectivos. Concretamente, os números 6 (água potável e saneamento), 12 (consumo e produção sustentáveis) e 13 (acção climática) da lista de 17.

A responsável falou do plástico, que “surge associado a vários ODS” e representa um grande perigo para os ecossistemas marinhos. Se queremos proteger o mar, é crucial “reduzirmos a quantidade de lixo que produzimos em terra”, observou, antes de dizer que olhar para os vários ODS como objectivos ligados entre si é mais do que “uma questão de senso comum”. “É uma obrigação internacional”, sintetizou.

Recordando aquilo que Liu Zhenmin dissera sobre a falta de investimento na protecção do oceano, o moderador James Leape “passou a bola” a J. Charles Fox, que se debruçou sobre o importante papel que a filantropia pode desempenhar. Fox é o director executivo do Oceans 5, um grupo internacional de investidores que apoiam organizações da sociedade civil na implementação de projectos que visem proteger os ecossistemas marinhos. “Ao longo dos últimos dez anos, demos cerca de 120 milhões de dólares [mais de 115 milhões de euros] a grupos em 60 países”, referiu.

J. Charles Fox ressaltou, porém, que, embora a atenção dada pela filantropia à conservação do oceano esteja a aumentar, o caminho a percorrer ainda é longo. “O número de fundações a subsidiarem projectos ligados ao mar ainda é reduzido”, disse, antes de fazer referência a um outro problema: as ilhas do Pacífico, que são muito vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas, “recebem apenas uma pequena fracção dos fundos filantrópicos”.

Portugal e a “recuperação da sardinha”

Chegada a sua vez de associar o ODS 14 a outros objectivos de desenvolvimento sustentável, Teresa Moreira, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, fez referência ao ODS 7 (energia limpa). Falando de energia eólica offshore, bem como de energia marinha, a portuguesa afirmou que a energia oceânica representa apenas 5% de toda a energia renovável produzida no mundo. Não há motivo para não pensarmos em formas de fazer esta percentagem aumentar, argumentou, dizendo que o mar será muito importante no caminho rumo à descarbonização.​

Aludindo, como Liu Zhenmin, ao ODS que se prende com a erradicação da fome, Teresa Moreira também sublinhou que é crucial haver uma gestão sustentável dos stocks de pesca. Isso requer monitorização e dados, apontou.

“Portugal assumiu uma linha estratégica para garantir que todos os stocks estão dentro dos limites sustentáveis”, afirmaria, mais tarde, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes. O “caso mais emblemático” tem que ver com a “recuperação significativa da sardinha”, comentou ainda a responsável, dizendo que, este ano, houve uma “melhoria significativa nas capturas”.

“Temos de fazer uma gestão inteligente dos nossos recursos. E valorizar comercialmente as espécies que são mais abundantes nas nossas águas”, frisou Maria do Céu Antunes, que também disse ser “vital investir na promoção de práticas inovadoras para combater o desperdício”. A ministra da Agricultura referiria ainda que têm de ser encontradas “abordagens viáveis para se apoiar a pesca artesanal”. E afirmou que, “face ao aumento da população mundial”, é importante investir em indústrias como a da aquacultura, de modo a que possamos “aliviar a tensão na exploração dos recursos naturais”.

Na última hora do “diálogo interactivo”, houve ainda tempo para duas intervenções curiosas. Laura Basconi, bióloga italiana que falou em nome do Grupo Principal das Nações Unidas para a Infância e a Juventude, defendeu a importância de os governantes procurarem o parecer dos cientistas. “Tenho ouvido, durante esta semana, muitos políticos a falar de biodiversidade marinha e ecossistemas. Vocês sabem distinguir um conceito do outro? É que, se não souberem, têm de perguntar ao ou à especialista nesse campo. E todas as nações têm especialistas. Nós estamos à vossa espera.”

Por seu turno, a brasileira Patrícia Furtado de Mendonça, fundadora da organização Acqua Mater, sublinhou a necessidade de darmos ouvidos (e não só) aos mais novos. Fez referência à declaração My Marina, uma carta que foi recentemente assinada por “milhares de jovens activistas” e em que estes “instavam os líderes globais a agir” urgentemente. “Eles disseram: ‘O tempo de dar ouvidos aos jovens acabou. Está na hora de nos incluírem nas negociações’”, comentou Patrícia Furtado de Mendonça, que, de resto, não ficaria sem resposta. Charlina Vitcheva sustentou que a União Europeia está a abrir as portas à nova geração. “Tivemos um comissário de 31 anos a negociar o tratado do alto-mar”, referiu.

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