O mundo já está de olhos nela: é a casta Loureiro!

Há importadores nos EUA a pedir “tudo quanto haja” e espanhóis a calcorrear o Minho às procura das melhores uvas de Loureiro. Os japoneses apelidam o vinho de “sushi wine”.

Foto
Anselmo Mendes tem já mais de 50 hectares de Loureiro espalhados por várias propriedades no vale do Lima. Paulo Pimenta

O carácter vibrante e expressivo, com intensidade fresca, equilíbrio e elegância, sempre conferiram aos vinhos da casta Loureiro um perfil muito atractivo e consensual. Mas o mundo está agora também atento às suas qualidades para fazer brancos mais sérios, gastronómicos, complexos e estruturados, e com extraordinária capacidade de envelhecimento. E há também quem já tenha percebido que esta pode bem ser a nova coqueluche dos vinhos portugueses.

À semelhança daquilo que fez com os Alvarinho, há mais de 20 anos que Anselmo Mendes anda a estudar e a experimentar o comportamento da casta, ao mesmo tempo que aumenta a sua área de produção. Ao todo, tem já mais de 50 hectares de Loureiro espalhados por várias propriedades no vale do Lima, desde a proximidade do mar, em Viana do Castelo, até aos limites de Ponte da Barca, onde a influência atlântica já não é tão acentuada e o clima assume características mais continentais.

Conhecido como “senhor Alvarinho”, pelo consistente trabalho de valorização da casta, o enólogo caminha a passos largos para receber também o epíteto de promotor da Loureiro. “Quando bem cultivada, é uma casta com enorme potencial. O mundo está agora a descobri-la e os nossos clientes, sobretudo nos Estados Unidos, Canadá e países do Norte da Europa, pedem-nos tudo quanto haja”, diz o enólogo, dando conta de que, tal como acontece com o Alvarinho, há já também espanhóis a calcorrear o Minho às procura das melhores uvas de Loureiro.

Pioneira na aposta de valorização da casta, já em 1990 a Quinta do Ameal se voltava em exclusivo para os Loureiro com o objectivo de produzir vinhos sérios, com foco na qualidade e capacidade de evolução, e avançando mesmo com experiências de estágio prolongado e utilização de barricas. Uma afirmação que se fez igualmente de fora para dentro, através da exportação, mas que ganhou raízes também por cá, tendo atraído um dos gigantes do negócio, a Herdade do Esporão, que é hoje dona da propriedade.

E foi também atenta à crescente procura pelos vinhos da casta nos mercados internacionais que a Aveleda avançou com estudos em diversos tipos de solos e diferentes vinificações. Neste caso também com outras das castas mais utilizadas nos Vinhos Verdes, mas foi claramente nos Loureiro que obtiveram resultados mais entusiasmantes, tendo avançado com um projecto inédito na região de plantação em encosta, em terrenos conquistados à montanha. Em Cabração, Ponte de Lima, estão já em início de produção 70 hectares de vinhas de Loureiro, sendo que o projecto foi pensado para poder avançar até aos 200 hectares.

O propósito é dar resposta às crescentes solicitações dos clientes da exportação, onde os Loureiro de topo são vendidos a preços que podem multiplicar várias vezes os do mercado nacional. Outro exemplo é o da empresa Lua Cheia, que tem chegado sempre à Primavera com o stock esgotado, apresar do quase meio milhão de garrafas que já produz com as uvas dos cerca de 50 hectares de vinhas de Loureiro que explora. Canadá, EUA, Brasil, China, Alemanha, Suíça e China são os principais clientes, com vinhos que praticamente nem entram no mercado nacional.

Mais antiga é a experiência da Casa de Paços, um produtor histórico dos Vinhos Verdes que sempre se destacou pelos seus vinhos secos, maduros e sérios, sem nunca ter embarcado na suposta tipicidade dos frescos e leves do Vinho Verde. Foi já há cerca de 30 anos, quando lançaram um vinho com Loureiro e Alvarinho, que um cliente do Japão pediu para lhe engarrafarem apenas com Loureiro. Seguiu de imediato uma palete e o sushi wine, como os japoneses o passaram a designar, não mais deixou de seguir para o país do sol nascente, mas também para os Países Baixos, EUA e Alemanha.

Lima, Cávado e…

Originária do vale do Lima, e também do Rosal, na Galiza, onde já quase desapareceu, o Loureiro é uma casta muito expressiva, terpénica, num estilo vaidoso e exuberante que casa bem com as características minhotas. Muito versátil e produtiva, é capaz de dar vinhos com personalidade vincada, cheia de frescura e equilíbrio. “Quando bem vinificados, apresentam-se aromáticos, apelativos e refrescantes, com aroma complexo e delicado, mas também de grande qualidade”, descreve o académico Virgílio Loureiro.

E se o Lima é normalmente apresentado como o seu habitat natural, o certo é que também no vale do Cávado desde sempre se têm feito vinhos distintivos. Hoje é casta mais plantada dos Vinhos Verdes, sendo claramente dominante nas sub-regiões de Lima, Cávado e Ave, mas começa a expandir-se também de forma definitiva no Sousa, e a afirmar-se nos vinhos desta sub-região.

“O importante é a forma como é trabalhada na vinha, a biodiversidade e natureza dos solos que de forma indirecta influenciam a planta”, avança Anselmo Mendes, que assim explica como é que os vinhos especiais vêm sempre de parcelas específicas. É assim com o seu Private Loureiro, de uma parcela de terreno franco-arenoso de origem granítica e com afloramentos de xisto. Mas também com o Vinha do Convento da Aveleda, com o mesmo tipo de solos e zona igualmente mais elevada e arejada. Ou com os Escolha (agora Reserva) e Solo Único da Quinta do Ameal, que vêm, respectivamente, das parcelas das Marinhas e do Marejão, nas zonas mais altas e de melhor drenagem da propriedade.

Também na Casa de Paços o Loureiro Reserva é feito com as uvas de uma parcela de vinha com mais de 30 anos, e o mesmo acontece com o Maria Papoila Barrica, da Lua Cheia, que é colhido nos patamares, com maior drenagem, da Vinha Velha do Pombal, na Quinta de Vilar de Frades, margem esquerda do Cávado, onde fazem também um rigoroso controlo da produção.

“Além de muito produtiva, é também uma casta boa para os enólogos”, brinca Francisco Baptista, o responsável pela enologia da Lua Cheia. “Vinga mais cedo e amadurece mais tarde, é limpa, fácil de tratar – excepto alguma podridão – e muito plástica, já que se proporciona para vinho de lote, de parcela ou barrica. E envelhece grandiosamente.”

Em Vilar de Frades, onde a Lua Cheia tem 32 hectares de vinha num contexto de grande biodiversidade com a floresta a ocupar o restante dos 84 hectares da propriedade, a produtividade é ao mesmo tempo uma bênção e um problema. Em muitas zonas chega a produzir incríveis 20 toneladas de uva por hectare, pelo que há que proceder a uma severa limitação, por exemplo na pequena parcela dos patamares destinada ao Maria Papoila Barrica.

Fazer o vinho na vinha

Uma viticultura cuidada e atenta e o rigoroso controlo da produtividade são outras ideias-chave no trabalho que Anselmo Mendes está a fazer “para pôr também o Loureiro no mapa”. Começando pela terra, “o importante é a biodiversidade nos solos, uma microflora rica que favorece a planta”, pelo que em todas as vinhas há arrelvamento com espécies diversificadas, os solos são “arejados e [é] introduzido oxigénio e matéria orgânica” com ripagem intercalada entre bardos. Isso evita também a compactação e favorece a porosidade. O produtor e enólogo está agora também a recorrer à compostagem para fornecer aos solos a riqueza orgânica e as componentes de azoto, potássio, fósforo e cálcio que substituem a necessidade de adubagem química.

Fundamental é também limitar a produção a duas varas por pé e que o cacho esteja arejado e protegido do sol. “Não só para evitar o escaldão, o sol directo nos bagos [também] altera o perfil aromático. Tem de estar maduro, equilibrado e com boa acidez”, nota Anselmo Mendes, explicando que por outro lado “os cachos que ficam muito protegidos, pouco arejados no interior da copa, tendem a desenvolver aromas herbáceos e a louro”, que resultam mais da viticultura que das características da casta.

Foto
Anselmo Mendes estuda o comportamento da casta Loureiro há mais de 20 anos. Paulo Pimenta

Nos Loureiro, tal como tem feito nos Alvarinho, faz também uma vindima cirúrgica, com quatro operações distintas, consoante se destinem aos vinhos de topo ou às categorias subsequentes. No fundo são quatro vindimas em cada planta, sendo que para os melhores é apanhado apenas o primeiro cacho da vara que se mostre mais madura. É idealmente colhido ao abrigo da frescura das manhãs, ou seja, antes que o sol comece a incidir sobre as plantas.

Uma operação complexa, que exige equipas treinadas e uma grande logística associada. Para a vindima dos seus vinhos de topo, Anselmo Mendes organiza-se já como as equipas de Fórmula 1 ou as grandes bandas fazem antes de um concerto. Dispõe de dois autocarros que, acompanhados de uma autocaravana com o catering, circulam de vinha em vinha à cata das melhores uvas.

É assim que alcança os vinhos de filigrana com os quais está a pôr o mundo a olhar a olhar para o Minho e a casta Loureiro.

Sugerir correcção
Comentar