Quantos priolos há no mundo? Voluntários juntam-se nos Açores para contar todas estas aves

Os priolos só existem na parte oriental da ilha açoriana de São Miguel e a cada quatro anos são contados pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves. Há 50 voluntários a ajudar na contagem.

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De várias idades, diferentes profissões e oriundos de diversas zonas, 50 voluntários juntaram-se em São Miguel, Açores, empenhados em contar todos os priolos do mundo, movidos pelo fascínio daquela ave que só existe na parte oriental da ilha. O Parque Florestal do Nordeste, onde se localiza o Centro Ambiental do Priolo, funcionou como centro de operações do IV Atlas do Priolo, a iniciativa que decorre a cada quatro anos, organizada pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).

“Quando soube do evento, inscrevi-me logo. É uma ideia excelente. Não só para a minha a formação. É sempre gratificante reunir com voluntários de tantos sítios, conhecer gente nova e estar no meio da natureza”, confessou à Lusa Irene Llamas, uma das voluntárias. A estudante de gestão florestal de 20 anos, natural da Andaluzia, ficou tão “entusiasmada” que antecipou a viagem para São Miguel, onde vai realizar um programa Erasmus na Universidade dos Açores: “Tinha de vir mais cedo para aqui estar.”

Durante os primeiros dias, os voluntários receberam formações sobre os censos de aves e sobre o projecto desenvolvido nos últimos 20 anos pela SPEA e pelo Governo dos Açores, que permitiu retirar o priolo do patamar “criticamente em perigo de extinção”.

“É um bom exemplo que deve ser seguido. Antes, não sabia que existia uma ave [apenas] aqui da ilha. É fascinante perceber que há uma ave que só existe nesta zona e que se alimenta da floresta típica dos Açores. Devemos todos contribuir para o sucesso da causa”, acrescentou Irene Llamas.

Actualmente, a ave endémica açoriana é considerada “vulnerável”, a classificação mais baixa para espécies em risco de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, uma vez que a população se tem mantido estável nos mil animais. Depois da formação, a contagem dos priolos vai decorrer num só dia, com os voluntários divididos em zonas específicas dos concelhos do Nordeste e da Povoação.

Quando a agência Lusa esteve no local, os participantes, organizados por grupos, realizavam exercícios em diferentes zonas do Parque Florestal com o objectivo de adivinhar a distância de um determinado alvo, um treino para conseguirem precisar as distâncias quando avistarem um priolo.

“Estamos a ter formações de coisas que não conhecia. Está a ser muito enriquecedor”, confidenciou Catarina Sousa, natural da Lombinha da Maia, em São Miguel. Catarina está no continente a estudar Medicina Veterinária e soube do Atlas através da comunicação social. Decidiu ser voluntária para contribuir para a defesa da “fauna tão única dos Açores”, de que o priolo é o “melhor exemplo”. “As pessoas vêm [para o Atlas] devido à beleza da biodiversidade. É uma ave tão única, tão específica dessa zona. Se desaparecer, perde-se para sempre. É algo que só existe mesmo cá. Por isso, acho que todas essas pessoas, apaixonadas pela natureza e pelos animais, vieram em busca de ajudar nessa conservação”, reforçou.

A passagem pelo Atlas vai ajudar Laura Outeiro, 22 anos, num trabalho de Ecologia. A espanhola, estudante de Biologia, está a realizar Erasmus nos Açores e foi uma professora que a despertou para o evento. “Foi pelo interesse próprio de conhecer a fauna dos Açores que conheci o priolo e a sua história. É uma história fascinante. Para mim, foi conhecer uma realidade completamente diferente. Não tem nada a ver com o que existe na Galiza”, explica.

Ao todo, entre voluntários e organização, a iniciativa junta 75 pessoas, com a SPEA a assegurar o alojamento, o transporte e alimentação em São Miguel. “No fim do dia, são mesmo as pessoas que contam e o ambiente aqui é fantástico”, realçou Nelson Correia, de 50 anos, natural de Lisboa. O mecânico automóvel de profissão passou os últimos dois anos entre a capital e a freguesia rural do Faial da Terra, na Povoação. Agora, já tomou a decisão de, neste Verão, se “mudar definitivamente para os Açores”.

“Esta necessidade de cuidar da natureza é algo que sinto muito aqui. Temos de começar a cuidar das coisas. As que estão a desaparecer e as que existem”, afirmou. Jovens e menos jovens estão “unidos” na protecção do priolo. Quem o diz é Aníbal Xavier, de 59 anos, que se sente na “perfeição no meio de tanta juventude”.

Oriundo da Póvoa de Varzim, já tinha estado em São Miguel com a família. Desta vez, veio sozinho para a “aventura” de contar priolos. É uma “oportunidade” para quem está na situação de pré-reforma e sempre gostou e respeitou as aves, considerou o antigo técnico de telecomunicações, que transportou para São Miguel a experiência de participações na miragem de pássaros na Reserva Ornitológica de Mindelo. “É uma aventura. Eu gosto da natureza. Aproveitei para vir cá e aliviar o stress da vida, descansar. Mas, ao mesmo tempo sair da zona de conforto e conviver com essas pessoas, que a maioria é mais nova do que eu. É uma coisa boa para valorizarmos o outro e a natureza”, indicou.

Com um grupo tão diversificado, há uma “variedade de motivações” para participar no evento, como reconhece a coordenadora do SPEA nos Açores, Azucena de La Cruz: há quem venha pela “curiosidade”, pela “aventura de uma semana de convívio” ou devido à “parte científica”. No final, é mesmo a pequena ave açoriana, que tem entre 15 a 17 centímetros, que junta dezenas de pessoas em torno de uma causa comum.

“Creio que a população já está mais sensível para a importância da preservação do priolo. Muitas vezes já não é possível recuperar aves da situação crítica em que o priolo esteve. Mas, felizmente, foi possível, sobretudo graças à restauração da laurissilva dos Açores”, explica Azucena de La Cruz. A responsável da SPEA no arquipélago deixa, contudo, o alerta: “Nada está garantido”. “Vulnerável é ainda estatuto de perigo. É o estatuto mais baixo dentro das categorias de perigo, mas ele não está fora de risco de extinção. As espécies invasoras são muito difíceis de combater. Isto continua a ser uma missão”, conclui.

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