Sobre a necessidade de requalificar os espaços arquitetónicos das redes de mobilidade urbana

Quem conhece as principais estações dos comboios, de autocarros de longo curso, de transporte fluvial, as paragens principais (e secundárias) de autocarros urbanos, as ligações dos metropolitanos aos interfaces, ou até, as simples “praças” de táxi sabe que o cenário nacional neste domínio é preocupante.

Atualmente em Portugal, e com especial impacto em Lisboa, as redes urbanas de transporte públicos renovam frotas e linhas. Esse fato é tão relevante quanto se torna urgente por essa razão também que o tema da mobilidade urbana sustentável deixe de se focar apenas nos meios de transportes para se centrar em toda a infraestrutura.

Se desejamos uma alteração de hábitos temos que adaptar os espaços urbanos aos novos desígnios estratégicos. A ideia de que a maioria da população vai abandonar o automóvel para se acantonar em paragens de autocarro, ou táxi, com o ombro encostado num postalete, eventualmente de guarda-chuva na mão, é no mínimo risível. E se alguém hoje defende que os atuais interfaces de transporte público são equipamentos modernos a adequados para um uso quotidiano é porque não os utiliza habitualmente. Quem conhece as principais estações dos comboios, as estações de autocarros de longo curso, as estações de transporte fluvial, as paragens principais (e secundárias) de autocarros urbanos, as ligações dos metropolitanos aos interfaces, ou até, as simples “praças” de táxi (a utilização do termo praça é manifestamente hiperbólico) sabe que o cenário nacional neste domínio é preocupante.

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Estação de Coimbra B, na Linha do Norte Miguel Manso

Nas cidades a grande solução terá que passar pelo modo rodoviário, que em linguagem de rua é como quem diz, o autocarro. Mas nenhum morador gosta que lhe plantem uma paragem do dito à frente da porta, “porque desvaloriza o imóvel”, ou então “retira qualidade ao espaço publico”. Então porque continuamos a pontuar as nossas cidades com peças anacrónicas, da mesmíssima maneira que já se fazia há 70, 80 anos atrás?

A resposta é simples, temos vindo a desenhar os interfaces e as zonas de embarque/desembarque em função dos trajetos e não em função das pessoas e das suas cidades. Atualmente, quem trata de paragens são empresas que detêm a concessão da publicidade. Quando assim não é, o município intervêm e implanta um poste permitindo ao operador de autocarros que em simultâneo lhe aparafuse uma placa com a informação das linhas. Os horários, com sorte, podem estar no site. Quando o trajeto muda, esse mobiliário urbano fica, na maior parte das vezes, esquecido.

Tarda, portanto, em perceber-se que os interfaces de transportes públicos são atualmente a tipologia de edificação de uso publico mais importante para as estratégias futurantes do nosso país. É difícil pensar que assim não seja.

Aliás há cerca de dois anos, mesmo antes do período covid, a Direção Geral da Mobilidade da UE (DGMove) escrevia isso mesmo quando apresentou um relatório denominado de “Policy challenges: overview of performance in the EU countries” em que focava as debilidades da infraestruturas de transportes, sublinhando que a criação de ligações ao longo das principais rotas europeias, a eliminação de estrangulamentos ou a interligação dos modos de transporte nos terminais é vital para o mercado único e para o bom funcionamento da rede europeia. E continuava dizendo que isso exige a integração e interligação de todos os modos de transporte, nomeadamente de todos os equipamentos urbanos, dos mecanismos de gestão do tráfego e da incorporação de tecnologias inovadoras.

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Paragem de autocarro em Odivelas Mário Cruz/Lusa

Num mundo que se deseja com muito menos carros, os locais de embarque e desembarque representarão as novas grandes centralidades urbanas - se qualificados. Se a segunda metade do século XX trouxe a noção de hubs internacionais, tornando os aeroportos elementos fundamentais da economia mundial, no século XXI, face aos compromissos ambientais assinados, esses hubs terão que ser disseminados pelo nosso espaço urbano, configurando-se em várias escalas e de diferentes formas.

É, portanto, urgente um programa de requalificação dos espaços arquitetónicos que servem a rede de transportes públicos, tornando-os elementos contemporâneos, confortáveis e bem desenhados.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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