A Paula Rego e a minha mãe
No dia em que a minha mãe partiu vi em todo o lado notícias da morte da Paula Rego. Não têm nada em comum, ela e a minha mãe. A não ser o facto de serem mães.
A minha mãe partiu. Não encontrei ainda palavras onde isto caiba, onde eu caiba. Quando se é mãe e se perde a mãe a dor vai para lá da dor, a angústia vai para lá da angústia. No dia em que a minha mãe partiu vi em todo o lado notícias da morte da Paula Rego. Não têm nada em comum, ela e a minha mãe. A não ser o facto de serem mães.
A obra maior que a minha mãe sempre quis deixar foram os filhos. Nunca se colocou a ela primeiro. Aguentou, sacrificou, cuidou, trabalhou, alimentou. Que retrato pintaria Paula Rego da minha mãe? Menina, numa aldeia transmontana, a guardar vacas e a sonhar com matemática? De pé, numa paragem do autocarro, com dois filhos pequenos encaixados no colo e nas pernas? Encostada ao fogão a preparar almoço e jantar todos os dias? Sentada na cama, em frente ao espelho do roupeiro, careca por causa da quimioterapia?
De que falariam, se se encontrassem, a Paula Rego e a minha mãe?
A minha mãe não tem quadros no museu. Mas descascava-me os pêssegos porque a pele me fazia impressão. Não estudou em Londres, mas quando eu estudava na faculdade levantava-se às 6h30 no frio do Inverno para me levar à estação dos comboios, e assim eu apanhava dois transportes em vez de três.
Não recebeu condecorações nem prémios, mas quando eu estava a arder em febre ia para a fila do posto médico bem cedo para arranjar consulta. Não fizeram nenhum filme sobre a sua vida mas salvou a minha vida muitas vezes, tantas quantas segurou ao colo as minhas filhas e foi mãe delas também.
Queria um museu para a minha mãe. Para todas as mães que o cancro levou.
Escreveram da Paula Rego: a mulher que pôs sempre a pintura primeiro. Eis a minha mãe, a mulher que pôs sempre a filha primeiro.