Os moradores das Fontes abriram as portas, o festival Nascentes montou o palco

Aldeia dos arredores de Leiria acolhe projecto construído com a comunidade. São cinco dias de música, oficinas e residências.

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O evento decorre até domingo na aldeia das Fontes DR

Depois de um ano zero, a aldeia das Fontes, nos arredores de Leiria, serve de palco ao Festival Nascentes, um projecto montado em diálogo com a comunidade, que começa hoje e se estende até domingo, dia 3 de Julho. São cinco dias de música, oficinas e residências, que entram pelos jardins, eiras e adegas dos moradores das Fontes.

Não é preciso afastarmo-nos muito do centro da aldeia para encontrarmos a nascente do rio Lis, onde também há actividades e concertos. O momento de arranque do festival organizado pela editora leiriense Omnichord é ali mesmo, com o concerto “Corpo na terra e ouvidos no céu”, uma proposta dos músicos Rui Gaspar (First Breath After Coma) e Surma, que convidam o público a deitar-se e a apurar os sentidos.

Muitos dos pontos na programação do Nascentes partem desse princípio, descreve o director artístico e produtor do festival, Gui Garrido: “estimular outros sentidos” enquanto se celebra a comunidade das Fontes, “percebendo o que acontece quando se cruza com as outras pessoas”. Isso ocorre tanto na Jantarada d’Aldeia, confecionada pela dona Idalina, no sábado à noite, quando uma mesa corrida ocupa o Largo da Capela, ou nos momentos de “discos & petiscos”, mistura de comida com discos pedidos, refere.

A programação do festival termina onde começa, na nascente do Lis, no domingo, com concertos dos África Negra, o lendário grupo de São Tomé e Príncipe, e dos 5ª Punkada, a banda criada no seio da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, que teve no ano passado o primeiro disco editado pela Omnichord.

Em 2021, o Nascentes nasceu como um projecto de co-criação de cinco instalações, envolvendo artistas de várias linguagens ao longo de um mês. O formato já apalpava o terreno das Fontes, mas ainda se adaptava às contingências pandémicas. Ainda assim, foi uma espécie de ano zero, que serviu para conhecer o território e quem ali vive, descreve Gui Garrido. A partir daí criou-se uma ligação. Estava aberto o canal de diálogo e começaram a ser dados os passos para aproximar o Nascentes do formato de um festival. “Os projectos culturais têm que ser permeáveis às pessoas que os habitam e aqui é muito mais fácil de haver uma mediação do que numa cidade muito grande”, diz, ao telefone com o PÚBLICO, a partir da aldeia, enquanto estavam a ser ultimados os preparativos.

“Estamos num ano em que as pessoas podem voltar a abrir as portas de casa. Houve um processo de escuta, de conversa, ao longo do último ano”, refere o programador, que explica que esse trajecto implicou acções como reuniões com 30 ou 40 moradores ou passeios a pé para imaginar possibilidades. A Associação Cultural e Recreativa Nascentes do Lis, “o espaço de encontro da aldeia”, serviu de plataforma para os moradores, que não estão apenas envolvidos no desenho do Nascentes, mas também na proposta artística e na construção dos espaços.

Entre actividades de carácter mais familiar, a programação conta também com concertos que resultam de residências de criação, como as apresentações de Pedro Melo Alves com Labaq, de um power trio de jazz composto por João Maneta, Paulo Bernardino e André Ramalhais ou de Pedro Marques com Ricardo Graça. Há ainda espaço para ouvir A Voz do Rock, Ana Lua Caiano, Whales, Gãrgoola e First Breath After Coma.

Neste festival, é também dada importância ao que não acontece. “A programação dá espaço, dá tempo, permite andar de um lado para o outro, permite ter momentos de contemplação, de silêncio, de entrar em casa das pessoas para conversar”, diz Gui Garrido. Seguindo a mesma lógica do interesse e esforço comunitário que levou à montagem do Nascentes, só depois desta primeira edição, em conversa com os moradores, é que se vai perceber se o festival continua no próximo ano.

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