Críticos questionam os benefícios climáticos da mineração dos fundos marinhos profundos

Um número crescente de biólogos marinhos, conservacionistas dos oceanos, reguladores governamentais e empresas conscientes do ambiente estão a soar o alarme sobre uma variedade de preocupações ambientais, de segurança alimentar, financeiras e de biodiversidade associadas à exploração mineira dos fundos marinhos.

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Nódulo polimetálico com uma esponja em cima ,Nódulo polimetálico com uma esponja em cima GEOMAR,GEOMAR

Por Marta Montojo e Ian Urbina

Poucas pessoas já ouviram falar do minúsculo país de Nauru. E ainda menos pessoas alguma vez pensaram no que acontece no fundo dos oceanos do mundo. Mas isso pode mudar em breve. Pensa-se que o fundo do mar detém triliões de dólares de metais e esta ilha do Pacífico está a dar passos ousados para dar um salto na competição global para explorar estas profundezas.

Os alvos destas empresas são rochas do tamanho de batatas que os cientistas chamam nódulos polimetálicos. Assentes no fundo do oceano, estes aglomerados valiosos podem levar mais de três milhões de anos a se formar. São valiosos porque são ricos em manganês, cobre, níquel, cobalto que se acredita serem essenciais para electrificar os transportes e descarbonizar a economia no meio da revolução tecnológica verde que emergiu para contrariar a crise climática.

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Nódulos no fundo do mar DR

Para aspirar estes bocados de um tesouro pousado no fundo do mar é necessária a extracção industrial por escavadoras poderosas. Tipicamente com 30 vezes o peso de bulldozers tradicionais, estas máquinas são levantadas por gruas sobre os lados dos navios, depois largadas milhas debaixo de água onde percorrem o fundo do mar, aspirando as rochas, esmagando-as e enviando uma lama de nódulos esmagados e sedimentos de 4000-6000 metros de profundidade através de uma série de tubos para o navio acima, na superfície. Após a separação dos minerais, as águas processadas, os sedimentos e os “finos” minérios (pequenas partículas do minério de nódulos triturados) são canalizados para o mar, para profundidades ainda pouco claras.

Mas um número crescente de biólogos marinhos, conservacionistas dos oceanos, reguladores governamentais e empresas conscientes do ambiente estão a soar o alarme sobre uma variedade de preocupações ambientais, de segurança alimentar, financeiras e de biodiversidade associadas à exploração mineira dos fundos marinhos.

Estes críticos estão preocupados com o facto de os navios que efectuam esta exploração mineira poderem deitar ao mar as enormes quantidades de resíduos tóxicos e sedimentos produzidos pela trituração e bombeamento das rochas para a superfície, causando um impacte nos peixes maiores, mais acima na cadeia alimentar, tais como os atuns e contaminando a cadeia global de abastecimento de marisco.

Argumentam também que a exploração mineira pode ser contraproducente em relação às alterações climáticas porque pode, de facto, diminuir a importante capacidade de sequestro de carbono do leito oceânico. A preocupação destes críticos é que ao agitarem o fundo dos oceanos, as empresas mineiras libertarão carbono para o ambiente prejudicando precisamente alguns dos benefícios pretendidos com a mudança para carros eléctricos, turbinas eólicas e baterias de longa duração.

Douglas McCauley, que é também o director do Benioff Ocean Institute na Universidade da Califórnia Santa Bárbara, advertiu contra a tentativa de contrariar a crise climática com soluções que se baseiam num “paradigma de apenas arrrancar uma nova parte do planeta”. Se o objectivo é abrandar as alterações climáticas, disse ele, faz pouco sentido obliterar os ecossistemas de profundidade e a vida marinha que actualmente desempenham um papel mais importante na captura e armazenamento de mais carbono do que todas as florestas do mundo.

Se o alto mar representa a última fronteira na terra, então o fundo do mar profundo fora das águas nacionais é uma fronteira para além disso, um domínio sujeito a um regime único ao abrigo do direito internacional, considerando-se a área do fundo do mar internacional e os seus recursos como o património comum da humanidade, a ser gerido por uma organização internacional chamada Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos em nome de toda a humanidade. “Mas quem beneficia e como beneficia desta nova corrida aos fundos marinhos continua por esclarecer”, disse Kristina Gjerde, conselheira política em alto mar para o Programa Marinho Global da IUCN. “E o que constitui um benefício para a humanidade também não é claro, uma vez que o fundo do mar está repleto de uma biodiversidade incalculável, e em uma grande parte dela de importância vital para a sobrevivência do nosso planeta”.

Ainda assim, Nauru espera avançar com a exploração dos fundos marinhos. Localizada na Micronésia, a nordeste da Austrália, a pequena ilha está entre os países mais pequenos do planeta, com uma massa de terra de 8 milhas quadradas [aproximadamente 20 quilómetros quadrados] e uma população de cerca de 12 mil habitantes. Ao avançar mais depressa do que a sua concorrência, esta nação em vias de desenvolvimento, com dificuldades financeiras, espera obter uma vantagem antecipada num mercado potencialmente multibilionário, apesar de Nauru poder vir a receber provavelmente apenas uma pequena fracção dos benefícios financeiros da exploração dos fundos marinhos da empresa canadiana que patrocina esta operação.

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ROV KIEL6000/Geomar

Em Junho, a nação de 8 milhas quadradas da ilha do Pacífico de Nauru deu o primeiro passo para o lançamento da indústria. Anunciou os seus planos para apresentar um pedido de extracção comercial em nome da entidade patrocinada “NORI” já em 2023 à International Seabed Authority (ISA), a organização que supervisiona a exploração mineira em alto mar. Tal pedido será avaliado com quaisquer que sejam as regras da exploração mineira em alto mar em vigor nessa altura - finalizadas ou não.

Mais de uma dúzia de outros países, incluindo a Rússia, Reino Unido, Índia e China, têm já contratos de exploração de 15 anos. O governo da Índia reservou recentemente 544 milhões de dólares para fomentar os investimentos do sector privado e a investigação tecnológica nesta indústria. Mas Nauru está a assumir a liderança em parte porque os líderes do país acreditam que podem beneficiar mais sendo os primeiros.

O interesse internacional na exploração dos fundos marinhos tem sido alimentado em parte por novos avanços na robótica, mapeamento por computador e perfuração submarina - combinados com preços historicamente elevados, mas flutuantes, de mercadorias. Diz-se que as empresas mineiras a nível mundial estão a procurar novas reservas, tendo esgotado grande parte das veias de fácil acesso do mundo. Os metais que procuram são utilizados em ímanes, baterias e componentes electrónicos para smartphones, turbinas eólicas, células de combustível, carros híbridos, conversores catalíticos e outros gadgets high-tech. Estes metais são normalmente encontrados em terra, mas alguns mostraram-se preocupados com a possibilidade de que possam não ser suficientes.

“Com a diminuição dos recursos em terra, com um crescimento exponencial da procura, e uma escassez em circulação (reciclagem), há necessidade de encontrar fontes alternativas de metais críticos necessários para permitir a transição energética para economias de carbono de net zero”, disse Bramley Murton, um investigador marinho do Centro Nacional de Oceanografia do Reino Unido. Foi estimado que, colectivamente, os nódulos no fundo do oceano contêm seis vezes mais cobalto, três vezes mais níquel, e quatro vezes mais o raro ítrio de metal do que se pode encontrar na terra.

Empresas mineiras como a DeepGreen enfatizam o impacto ambiental destrutivo da mineração terrestre e dizem que a lavra do fundo do mar é uma opção muito melhor. “O único caminho para os metais sustentáveis é construir reservas de metal suficientes para passar de metais extraídos para metais reciclados”, disse Dan Porras, o chefe de comunicações e marca da empresa à Bloomberg News. “O nosso objectivo declarado é injectar no sistema quantidades suficientes de metais primários para permitir esta mudança e sair da extracção primária o mais depressa possível”. As empresas mineiras estão especialmente concentradas numa zona específica do mar que se estende do Havai ao México, vizinha da zona económica exclusiva de Nauru. Estima-se que o fundo do oceano sob essa zona, conhecida como Clarion-Clipperton Zone, contenha metais avaliados entre 8 triliões de dólares [8 biliões de euros] e 16 triliões de dólares [16 biliões de euros].

Nauru associou-se à NORI, que é propriedade de uma empresa canadiana chamada The Metals Company para explorar o Pacífico, conhecida como a Zona de Clarion-Clipperton. “Estamos orgulhosos de que as nações do Pacífico tenham sido líderes na indústria de minerais de alto mar”, referia recentemente uma declaração com co-autoria do representante de Nauru à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.

Os cientistas estimaram de forma conservadora que cada licença de exploração mineira permitirá a exploração directa de cerca de 8000 quilómetros quadrados de fundos marinhos ao longo de uma licença de exploração mineira de 20 anos da ISA prevendo-se um impacte numa área que facilmente se situa entre mais 8000 e 24.000 quilómetros quadrados de vida dos fundos marinhos rodeados por plumas de sedimentos gerados pela exploração mineira do fundo do oceano. Estimam ainda que as espécies dependentes dos nódulos- os animais que vivem nos nódulos ou, como os polvos de profundidade, que de outra forma precisam dos nódulos para sobreviver - levarão milhões de anos a recuperar e mesmo os animais que vivem nos sedimentos circundantes podem levar centenas a milhares de anos a recuperar do impacto da exploração mineira.

Alguns empresários estão a manifestar o seu cepticismo. Em Março, dezenas de empresas, incluindo a BMW, Volvo Group, Samsung e Google, comprometeram-se a abster-se de usar minerais de alto mar. Em Junho, o Parlamento Europeu apelou a uma moratória sobre a exploração mineira em alto-mar e pediu ao braço executivo da União Europeia que deixasse de financiar a tecnologia de exploração mineira em alto-mar apelando ainda a um adiamento das autorizações de mais operações de exploração.

Uma preocupação entre os críticos da indústria mineira dos fundos marinhos é que as gigantescas máquinas de aspiração, trituração e colheita usados nesta indústria possam levantar enormes e sufocantes nuvens de sedimentos tanto ao longo do fundo marinho como no alto da coluna de água, que bloqueiam a luz, afastam o oxigénio, produzem quantidades prejudiciais de poluição sonora e dispersam toxinas que dizimam a vida e contaminam a vida no mar. Tal contaminação poderia também constituir uma ameaça para a segurança alimentar das nações em desenvolvimento e costeiras cujos recursos pesqueiros e outros fundos marinhos seriam dizimados.

“Precisamos de muito mais tempo para investigar e avaliar estas operações, não pelas empresas mineiras, mas por ecologistas independentes e especialistas nos fundos marinhos”, disse Kelvin Passfield, que dirige a Te Ipukarea Society nas Ilhas Cook e faz parte de um grupo de organizações sem fins lucrativos em Fiji, Vanuatu e noutras ilhas do Pacífico que se preocupam com os impactos de tais plumas nos pescadores locais e na segurança alimentar.

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Paulo Pimenta

Outros críticos vêem a exploração mineira como uma espécie de esquema de ponzi [uma operação fraudulenta sofisticada de investimento do tipo esquema em pirâmide] , destinado a atrair capital de risco, apesar de continuar a ser altamente incerto que tal investimento irá produzir um lucro a longo prazo. Numa carta de 1 de Junho à Comissão de Títulos e Câmbios dos EUA, vários grupos de fiscalização ambiental e financeira solicitaram uma investigação federal sobre o DeepGreen. Alegaram que a empresa tinha sobre-declarado nos arquivos federais a potencial rentabilidade e não revelou falências anteriores e os custos prováveis para os investidores de riscos ambientais potencialmente catastróficos da exploração dos fundos marinhos.

Matthew Gianni, co-fundador da Deep Sea Conservation Coalition, disse que as empresas mineiras de fundos marinhos estão a tentar fazer uma falsa escolha entre ter de extrair cobalto e níquel em terra ou no mar profundo quando afirmam que precisamos de centenas de milhões de toneladas destes metais para construir baterias para veículos eléctricos e outras tecnologias de armazenamento de energia renovável. “Não precisamos de construir baterias nem com níquel nem com cobalto. A Tesla e BYD, o segundo maior fabricante mundial de veículos eléctricos, estão a fabricar automóveis com baterias de fosfato de lítio, com pouco ou nenhum níquel ou cobalto, que de forma inesperada estão a vender bem”, disse ele. Melhor concepção de produtos, reciclagem e reutilização de metais já em circulação, mineração urbana, e outras iniciativas de economia ‘circular’ podem reduzir enormemente a necessidade de novas fontes de metais, argumenta.

Outrora considerado como relativamente sem vida, o mar profundo é agora visto pela maioria dos cientistas como um ambiente rico em espécies povoado por criaturas que prosperam em condições que parecem impossivelmente extremas. No entanto, grande parte da biodiversidade no fundo do mar é marcadamente vulnerável à mudança porque o seu habitat está tão distante e, portanto, muito raramente é perturbado.

Os oceanos já enfrentam uma lista assustadora de ameaças, que vão desde a pesca excessiva, testes de sonares, descarga de petróleo e poluição plástica, até ao aumento do nível do mar e da sua temperatura, acidificação, esgotamento do oxigénio, florescimento de algas, e redes fantasma [deixadas ao abandono nos oceanos]. Acrescente-se a estas as tensões adicionais enfrentadas pela vida marinha em alto mar mais acção no fundo do mar: cabos de internet, arrasto pelo fundo, caça ao tesouro, perfuração de petróleo e gás, branqueamento de corais, afundamento de plataformas de perfuração reformadas. Em 2019, a Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistema (IPBES) emitiu o seu relatório de Avaliação Global que estimava que um milhão de espécies estão em risco de extinção, muitas delas dentro das próximas décadas, a menos que invertamos os motores da perda de biodiversidade.

Um dos maiores desafios na preocupação com este tipo de mineração é que o fundo do mar está muito distante - geográfica, emocional e intelectualmente - do público que dele beneficia. Um lugar de mito e mistério, a maior parte do fundo do mar do mundo nem sequer é mapeado, muito menos totalmente compreendido ou governado de forma robusta. Profundamente abaixo da linha de água é sempre escuro, e muitos dos seus habitantes desafiam categorizações na taxonomia tradicional animal-planta-mineral.

Nenhuma solução para um problema tão complexo como a crise climática virá sem decisões difíceis e custos pesados, especialmente quando a população se tenta libertar da dependência dos combustíveis fósseis.

A parte mais difícil, porém, é descobrir como dar um passo em frente sem dar também três passos atrás.

*Ian Urbina é director do The Outlaw Ocean Project, uma organização jornalística sem fins lucrativos com sede em Washington DC que se concentra em direitos ambientais e humanos preocupações no mar globalmente.

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