Para reabilitar os oceanos temos de começar por reconhecer o seu valor

Sessão na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas debateu formas de gerir e recuperar ecossistemas marinhos e costeiros. Há caminhos novos a explorar numa frente que representa um Produto Marinho Bruto anual de, pelo menos, 2,5 triliões de dólares (2,6 biliões de euros)

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Nuno Ferreira Santos

Se os oceanos fossem um país, seriam a sétima maior economia do planeta: “O Produto Marinho Bruto anual é de, pelo menos, 2,5 triliões de dólares (2,6 biliões de euros)”, disse Marco Lambertini, director geral do World Wildlife Fund (WWF) num dos diálogos interactivos desta terça-feira na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas que decorre no Parque das Nações, em Lisboa. Mas, apesar deste enorme valor, subvalorizamos o oceano constantemente, deixamos que se degrade.

Há, no entanto, alguns sinais de esperança, ainda segundo Lambertini: “Há uma tendência positiva. No início do milénio, só 1% das áreas marinhas estavam protegidas, e neste momento temos 8%, é algo que devíamos celebrar”, disse, apesar de a ambição ser muito maior: chegar a 30% de áreas marinhas protegidas em 2030, no âmbito das negociações globais das novas metas pós-2020 da Convenção sobre a Diversidade Biológica, que deverá ser aprovada no final deste ano, em Montreal, no Canadá.

Elizabeth Mrema é a secretária executiva desta convenção e esteve neste colóquio para falar sobre a situação da biodiversidade nos mares e da importância das negociações para actualizar este tratado com novas metas – as que existem foram definidas em 2010, a situação mudou entretanto. “Entre 2010 e 2020 as áreas protegidas aumentaram 88%, embora isto ainda não chegue”, sublinhou Mrema. “Só nos oceanos, 62% das suas áreas sofrem os impactos de stresses diferentes cumulativos. Há uma sinergia das alterações climáticas com outros factores que afectam o oceano, como a poluição”, explicou. Só a quantidade de detritos de plástico aumentou dez vezes desde 1980, sublinhou.

“É necessário proteger e recuperar os ecossistemas para que eles continuem a fornecer-nos serviços, os materiais e a energia de que necessitamos para o nosso desenvolvimento”, frisou Elizabeth Mrema.

Restaurar o sistema imunitário dos oceanos

Esse cuidado pode nem ser directamente dos oceanos, mas de áreas que cuja degradação acaba por reflectir-se neles, disse Martha Rojas-Urrego, secretária-geral da Convenção sobre as Áreas Húmidas. “A convenção regista 2400 zonas húmidas, das quais 946 são consideradas essenciais para a protecção dos ecossistemas costeiros”, adiantou. As áreas húmidas são extremamente sensíveis. “Cerca de 3000 espécies de peixes dependem da sobrevivência dos mangais”, ilustrou Martha Rojas-Urrego.

“Precisamos de priorizar a protecção de zonas húmidas como mangais [ou rias] como estratégia para proteger os oceanos. Elas são 55% mais rápidas a armazenar carbono do que qualquer outro ecossistema, e deveriam ser considerados nos NDC [compromissos nacionais voluntários, na sigla inglesa, criados por cada país signatário do Acordo de Paris para colaborar com a meta global de redução de emissões de gases do efeito estufa] mas só 21% dos NDC incluem as zonas húmidas”, defendeu Rojas-Urrego.

Será necessário “restaurar o sistema imunitário dos oceanos, aumentar a sua resiliência”, disse Isabella Lövin, da organização Friends of Ocean Action, um grupo de 70 personalidades ligadas à política dos oceanos, ex-vice-primeira-ministra da Suécia e moderadora do debate. “Temos de ser honestos, desde a primeira Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, em Nova Iorque, há cinco anos, os progressos não foram suficientes. Ainda continuamos a encher os oceanos de plástico, a esgotar as populações de peixes. O mar Báltico, que banha o local onde eu vivo, aqueceu dois graus…”

É preciso agir, e representantes de vários países presentes no colóquio, na plateia, foram convidados a apresentarem os seus casos. O Príncipe Alberto do Mónaco falou dos esforços do principado. “Toda a gente é responsável pelo oceano ao seu nível. Temos de encontrar formas de os vários sectores económicos participarem na sua protecção”. Falou da iniciativa para lutar contra a poluição dos plásticos no Mediterrâneo BeMed, lançada pela sua fundação em colaboração com outras entidades. “Estamos a trabalhar com empresas para procurar alternativas aos plásticos, para ir de encontro às preocupações dos consumidores”, explicou.

Quase todos os membros do painel de convidados destacaram a necessidade de colocar no centro das iniciativas de reabilitação dos ecossistemas marinhos e costeiros a “inclusão social, os direitos humanos, a igualdade de género, os conhecimentos dos povos indígenas e povoações locais”, como disse Ximena Fuentes, vice-ministra dos Negócios Estrangeiros do Chile, e uma das co-secretárias do debate.

Seguindo esta pista, vários representantes de pequenos países, ou de Estados-ilha do Pacífico, nações insulares de baixa altitude ameaçadas pela subida da água dos mares provocada pelo aquecimento global apresentaram iniciativas e apelaram ao desenvolvimento de novas formas de financiamento internacional para apoiar a recuperação dos ecossistemas marinhos e costeiros que são centrais para a sua economia.

“Reconhecemos a criatividade que está a haver para criar novos instrumentos de financiamento, que bem são necessários”, disse Silas Bule Melve, ministro das Alterações Climáticas de Vanuatu. “Mas os países que criaram os problemas que enfrentamos agora têm de fazer a sua parte, apoiar os esforços de mitigação e adaptação” à degradação do oceano, sublinhou o primeiro-ministro do Belize, Johnny Briceño.