Nic, João e Miguel: três surfistas que também são activistas e cuidam do oceano

Para os surfistas Nic Von Rupp, João Macedo e Miguel Blanco a educação da população e o trabalho de proximidade com as comunidades locais é essencial para combater o problema da poluição dos Oceanos. Sublinham que a culpa não é só dos agentes políticos e reforçam que todas as ações individuais contam.

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Daniel Rocha

É nas ondas – principalmente nas grandes - que encontram o seu segundo habitat natural. Nic Von Rupp, João Macedo e Miguel Blanco são surfistas e decidiram que deviam retribuir ao oceano aquilo que ele lhes dá. Os três são activistas e fazem parte da Hope Zones Foundation (HZF), uma fundação cuja missão é “contribuir para a transformação para proteger 30% dos oceanos e terras até 2030, em alinhamento com a agenda das Nações Unidas”. A acção da fundação dirige-se a zonas como as praias da Nazaré e Sintra, mas pretende expandir-se e intervir mais activamente na Arrifana e nos Açores.

Actualmente, as estimativas apontam para que entre cinco e 13 milhões de toneladas de plástico cheguem aos oceanos todos os anos. Nic Von Rupp explica que os surfistas sentem os problemas ambientais “tanto como os outros”. No entanto, assume que a proximidade que tem com a natureza leva-o a intervir junto das populações: “Sinto-me obrigado a instruir as pessoas porque, realmente, não estão educadas a esse ponto.” O surfista acrescenta as consequências da poluição dos oceanos estão à vista.

“Sentimos, principalmente quando falamos com pescadores, que a quantidade de peixe no oceano está a diminuir. No que toca ao plástico, é escandaloso ir a um ponto de pesca como a Nazaré e ver a quantidade de plástico que se encontra naqueles pontões. É uma coisa assustadora”, confessa.

Para Nic, a inacção que ainda há por parte de algumas pessoas pode advir da falta de conhecimento sobre o assunto: “As pessoas portuguesas andam tão envolvidas na sua rotina que não param para pensar, para realmente se educar, para depois dar o passo e agir. João Macedo refere que por vezes, estar envolvido numa simples limpeza de praia pode gerar “desespero”.

“É muito desesperante uma pessoa estar a fazer uma recolha de lixo e passadas duas, três horas, [ainda] há tanto lixo para apanhar”, conta. O surfista explica que por vezes, em vez de ter um efeito inspirador, o reconhecimento do problema pode levar a uma postura de “Não vale a pena fazer nada. Estamos a caminho do apocalipse.” Ainda assim, os membros da HZF referem que têm cada vez mais adesão às actividades da fundação e sublinham que “da mesma maneira que uma pessoa não diz de um ano para o outro “agora vou apanhar uma onda gigante”, fazer activismo também é um processo gradual.”

João Macedo explica que atenção do público que os atletas profissionais obtêm, leva-os a poder influenciar positivamente as pessoas: “Este microfone que os atletas profissionais têm, é importante utilizá-lo. Temos de encontrar formas de estar unidos sobre isto.” Nic concorda: “Nós que chegamos a muitas pessoas, temos de educar as pessoas, motivar as pessoas para agir, para gerar interesse.

“Quanto mais pessoas se envolverem, mais fácil vai ser conseguirmos agir”, diz Miguel Blanco. A HZN defende que a procura de soluções deve ser um esforço conjunto com as comunidades locais como é o caso dos pescadores. Ainda que acabar com a sobrepesca e a pesca ilegal sejam pontos do Objectivo do Desenvolvimento Sustentável 14, os surfistas sublinham que é errado ver a comunidade piscatória como os vilões da história.

“Não podemos estar num pedestal a criticar a comunidade piscatória. Nós também temos motas a gasolina”, afirma João Macedo, “Eles não são só os maus da fita”. O surfista acrescenta que a comunidade piscatória pode ter um papel essencial como guardiã de áreas marinhas protegidas: “Quem está no mar é que vai conseguir proteger uma área marinha protegida.”

A missão da HZN é convergente com a meta “30x30” das Nações Unidas que visa aumentar a percentagem de áreas marítimas protegidas de 8% para 30%, até 2030. Para os três surfistas, a acção individual é essencial para nos aproximarmos do objectivo estabelecido. De acções simples como “apanhar um plástico cada vez que se vai à praia” à participação em limpezas conjuntas.

Acção na Praia Grande, para sensibilizar as crianças para o problema da poluição nos oceanos, promovida pela associação Hope Zone Foundation. A entidade foi criada pelos surfistas Miguel Blanco, João Macedo e Nic Von Rupp Nuno Ferreira Santos
Acção na Praia Grande, para sensibilizar as crianças para o problema da poluição nos oceanos, promovida pela associação Hope Zone Foundation. A entidade foi criada pelos surfistas Miguel Blanco, João Macedo e Nic Von Rupp Nuno Ferreira Santos
Acção na Praia Grande, para sensibilizar as crianças para o problema da poluição nos oceanos, promovida pela associação Hope Zone Foundation. A entidade foi criada pelos surfistas Miguel Blanco, João Macedo e Nic Von Rupp Nuno Ferreira Santos
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Acção na Praia Grande, para sensibilizar as crianças para o problema da poluição nos oceanos, promovida pela associação Hope Zone Foundation. A entidade foi criada pelos surfistas Miguel Blanco, João Macedo e Nic Von Rupp Nuno Ferreira Santos

“Qualquer acto é válido. Reciclar em casa tem um impacto enorme. Porque se a pessoa se preocupa com isso, isso tem grandes consequências. Porque as pessoas passam a olhar e se vêm lixo no chão da rua, agarra. E isso tem efeito, é muito importante”, conta João Macedo.

Afirma ainda que “é muito fácil dizer mal do poder político”: “Às vezes é frustrante ver recursos que parece que estão a ser mal aplicados e que há outras coisas que podiam ser feitas”. Não obstante, frisa que “há pessoas dentro dessas instituições e organismos que estão a tentar fazer o seu melhor para que realmente haja mais actos”.

Miguel Blanco concorda: “Às vezes é fácil apontar o dedo e dizer que as pessoas que estão mais acima é que controlam. Mas o activismo segue de cada um, tudo conta. Seja reciclar, seja juntares-te a uma limpeza de praia, trabalhares num projecto social, até teres uma alimentação mais vegetariana. Tudo conta e as pessoas não podem depositar toda a culpa em quem está “lá em cima.

Para os três surfistas é fulcral inspirar as gerações mais novas para a realidade que assola os oceanos e as praias. No entanto, João Macedo explica que é importante se fazer uma mudança no discurso com os mais novos no sentido de não lhes depositar a responsabilidade toda em cima. Em vez de uma narrativa de “vocês são a geração futura, agora vão herdar isso e têm de fazer alguma coisa”, explica que se devia transmitir a mensagem de que “nós, os adultos, os profissionais, já estamos a fazer alguma coisa.”

A 25 de Junho, a HZF organizou um evento na Praia das Maçãs em Sintra, que contemplou actividades como uma limpeza de praia, uma feira sustentável e um workshop de como fazer arte com lixo.

Sobre a Conferência dos Oceanos 2022, os surfistas mostram-se entusiasmados. “Para Portugal, ser anfitrião de uma conferência mundial é uma grande oportunidade”, diz João Macedo. Na mesma linha, Miguel Blanco acrescenta: “Não podemos esquecer que a área marítima portuguesa é maior do que a área continental. Portanto, recebermos este evento é gigante. E temos de aproveitar essa alavanca para impulsionar os nossos movimentos em Portugal.”

Perante o futuro incerto, Miguel Blanco deseja aos jovens surfistas das próximas décadas que encontrem um oceano que seja “o mesmo ou melhor”. Já João Macedo espera que haja “mais surfistas preocupados e que se continue a ter esta ligação entre pessoas e o mar”. “Igual nunca será”, conclui.