Tribunal condena sete Hammerskins a prisão efectiva por crimes de ódio

Megaprocesso juntou 27 arguidos no banco dos réus acusados por crimes de ódio e ofensas contra cidadãos negros, homossexuais e militantes comunistas. Cinco foram absolvidos de qualquer crime incluindo o de discriminação racial por não ter ficado provada a pertença a este grupo neonazi.

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O julgamento decorreu no Campus da Justiça em Lisboa TIAGO PETINGA

O Tribunal Central Criminal condenou esta segunda-feira sete dos 27 arguidos do processo dos Hammerskins a penas de prisão efectiva. Outros 15 arguidos foram sentenciados a penas suspensas e cinco foram absolvidos. A pena mais baixa é de seis meses pelo crime de discriminação racial pelo qual 22 foram condenados. A mais alta (nove anos) foi aplicada ao mais jovem arguido, que tinha 18 anos à data dos factos.

Com a leitura do acórdão no Campus da Justiça, em Lisboa, chegou ao fim um processo, aberto em 2015, que envolveu 18 vítimas, teve em Maio de 2020 o despacho final da acusação (confirmada pelo juiz de instrução criminal) e cujo julgamento começou em Fevereiro deste ano.

Discriminação racial, ofensa à integridade física qualificada e tentativa de homicídio qualificado, sozinhos ou em co-autoria, eram alguns dos crimes de que vinham pronunciados do Tribunal de Instrução Criminal, e que de acordo com a moldura penal poderiam resultar em penas de prisão efectiva.

Dos sete condenados a penas de prisão efectiva, três foram-no por ter ficado provada a sua culpa em crimes de homicídio qualificado na forma tentada ou de ofensas à integridade física qualificada; para eles, as penas fixadas foram de cinco ou mais anos, não podendo assim serem suspensas na sua execução.

Houve porém mais quatro arguidos a quem o colectivo presidido pelo juiz Noé Bettencourt decidiu aplicar penas de prisão efectiva não por estas serem acima dos cinco anos de cadeia mas porque, como salientou, os visados já tinham sido condenados no passado no quadro de crimes da mesma natureza como ofensas à integridade e discriminação racial, para além de outros como roubo ou tráfico de drga.

O juiz deu, entre outros, o exemplo de Cláudio Cerejeira, já condenado dez vezes. Sucede que uma dessas condenações foi no âmbito do homicídio do jovem cabo-verdiano Alcindo Monteiro, no Bairro Alto em Lisboa.

Cerejeira organizou as comemorações do 10 de Junho (Dia da Raça) em 1995 e Alcindo Monteiro foi morto no local depois de agredido com pontapés na cabeça. Nesse julgamento, levou uma pena de dois anos e meio de prisão.

Alvos bem definidos

Nos actos violentos, o acórdão desta segunda-feira dá como provado que os alvos foram escolhidos apenas por serem negros, militantes comunistas ou antifascistas, ou ainda por frequentarem eventos para homossexuais, como aconteceu numa festa num bar na Praça da Alegria. A maioria dos episódios violentos ocorreu em Lisboa, na zona do Bairro Alto e Chiado, mas também em Loures e e em todos as vítimas estavam sozinhas ou indefesas.

Cronologicamente, a agressão a um jovem negro na Estrada de Benfica em Novembro de 2013 é o primeiro episódio violento que aparece descrito no despacho de acusação.

Eram 6h15 da manhã e a vítima tinha acabado de descer do autocarro quando os agressores o atingiram por um golpe de arma branca depois de já o terem espancado com socos, pontapés e empurrões, aproveitando o momento em que o jovem desfaleceu quando ainda tentava fugir, segundo apontava o Ministério Público.

O réu, principal acusado neste episódio, disse em sua defesa não ter sido ele a esfaquear a vítima, mas confessou estar no grupo de outros quatro amigos que participaram nesta agressão nessa madrugada. É também este episódio que resulta na pena de prisão mais elevada, de nove anos.

O arguido tinha à data 18 anos e foi considerado culpado de um crime de discriminação racial, religiosa ou sexual, três crimes de ofensa à integridade física qualificada, um crime de homicídio qualificado na forma tentada e um crime de dano.

Em 2013 era prospect (candidato a Hammerskin) mas ao tribunal recusou dizer o que, nessa qualidade, tinha que fazer para aderir ao grupo enquanto membro de pleno direito. Hoje tem 27 anos.

Contra os comunistas

O acontecimento que desencadeou este processo judicial (ao qual se juntaram outros processos que já corriam termos) só viria, contudo, a ocorrer em Setembro de 2015 quando um grupo de participantes numa manifestação anti-refugiados agrediu militantes do PCP que saíam de um comício no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Um dos dois homens agredidos nessa ocasião foi levado para o hospital inconsciente e, segundo os relatórios médicos e de acordo com o que disse ao tribunal, as sequelas dessa agressão são irreversíveis.

Todos estavam acusados por discriminação racial, por considerar o MP que todos pertenciam aos Hammerskins. Cinco foram absolvidos desse (e dos outros crimes) uma vez que não foi possível provar a sua pertença ao grupo Hammerskins.

Em Portugal desde 2005

Designado como Hammerskin Nation, o grupo na sua globalidade é referido pelo Ministério Público como “o mais violento e o mais organizado grupo de extrema-direita”. Formado em Dallas, no estado norte-americano do Texas, em 1988, começou por se expandir pelos Estados Unidos, Canadá, Europa, Austrália e Nova Zelândia.

Em Portugal, o Portugal Hammerskins, que a acusação designa por PHS, foi reconhecido pela Hammerskins Nation e formado em 29 de Janeiro de 2005. Antes dessa data, os membros portugueses tinham a qualificação de chapter — capítulo, nome dado a um determinado movimento nacional de Hammerskins antes de ser reconhecido.

Na estrutura extremamente hierarquizada do grupo, o prospect é o estado em que se encontra um candidato a ser hammer antes de ser admitido no grupo. E o hang-around é o estado mais baixo que um candidato a membro pode ter.

Cinco sem provas de ligação

“Havia determinada factualidade que se pretendia estender a todo o grupo”, de pertencerem ao grupo extremista Hammerskins “de cariz nacionalista, exaltando à superioridade da raça relativamente às demais”, começou por dizer o magistrado nesta segunda-feira à tarde, na leitura do acórdão.

Ao longo do julgamento, a maioria dos arguidos não assumiu pertencer ao grupo, salientou o juiz. Porém, em determinados casos, a prova apresentada em tribunal foi suficiente para os associar ao grupo, nalguns casos tendo ficado demonstrada uma “participação activa”.

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