Sushi e Vinho Verde: não se estranha, entranha-se

São os próprios japoneses que o dizem: a frescura e a acidez do Vinho Verde tornam-no uma das bebidas de origem europeia mais adequadas para harmonizar com sushi. Nestes cinco restaurantes é possível comprová-lo.

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Martin James/Penha Longa

Midori

Celebra este ano o seu 30.º aniversário, idade que faz dele um dos mais antigos restaurantes japoneses em Portugal. Mas o Midori de hoje tem muito pouco que ver com o dos primeiros tempos. Deixou, sobretudo a partir de 2017, de ser um restaurante japonês clássico, para passar a apresentar uma cozinha marcadamente de autor, que junta técnicas nipónicas a raízes e ingredientes portugueses. Chamar-lhe fusão, palavra maldita nesta gama da restauração, é pecado capital – chame-se-lhe, em vez disso, uma linguagem única que torna os pratos inteligíveis tanto a quem domina as referências gastronómicas do Japão como as de Portugal.

Essa linguagem foi desenvolvida pelo chef Pedro Almeida, que ali se sente duplamente em casa: cresceu em Sintra, a poucos quilómetros do Penha Longa Resort, o complexo que alberga o Midori, e vai para o seu décimo ano na mesma cozinha, uma longevidade no posto que já vai sendo rara de encontrar neste métier.

A originalidade – e qualidade – do seu trabalho foi distinguida em 2018 com uma estrela Michelin, tornando-se o Midori o primeiro restaurante de cozinha de base japonesa a obtê-la em Portugal.

Daí para cá, Pedro Almeida e a sua equipa têm continuado a explorar a íntima relação luso-nipónica em criações tão diversas como o sashimi de atum à Brás, o sukiyaki de porco preto e pimentão, o caldo verde de miso, os nigiri de carapau, de salada de polvo ou de atum fumado com muxama, só para dar alguns exemplos.

Pedro Almeida chefia a cozinha do Midori há 10 anos e, em 2018, tornou-se o primeiro em Portugal a conseguir uma estrela Michelin num restaurante de base japonesa. Luís Ferraz/Penha Longa
Mais do que mera "fusão", o Midori desenvolveu uma linguagem única que torna os pratos inteligíveis tanto a quem domina as referências gastronómicas do Japão como as de Portugal Luís Ferraz/Penha Longa
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Pedro Almeida chefia a cozinha do Midori há 10 anos e, em 2018, tornou-se o primeiro em Portugal a conseguir uma estrela Michelin num restaurante de base japonesa. Luís Ferraz/Penha Longa

Além da cozinha, contribui para o inegável sucesso do restaurante a envolvência do espaço – cujas enormes janelas transformam o verde da vizinha Serra de Sintra e do campo de golfe do Penha Longa Resort num magnífico pano de fundo, fazendo jus ao significado, em português, da palavra midori: verde.

E Verdes são também alguns dos vinhos disponíveis na garrafeira que podem elevar ainda mais a fasquia da refeição. Como o Quinta da Pedra 2017, um 100% alvarinho nascido daquela que é maior vinha contínua dessa casta em Portugal, ou o Conceito Alvarinho 2014, uma das primeiras incursões da marca duriense pela sub-região de Monção e Melgaço. Ambos unem a frescura e mineralidade que o sushi exige ao poder e estrutura necessários para aguentar as incursões por outras técnicas de cozinha japonesa.

Midori
Penha Longa Resort, Estrada da Lagoa Azul (Sintra)
Tel.: 219249011
De terça a sábado, das 19h às 22h30. Encerra ao domingo e à segunda
Preço médio: 120 euros

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O Kabuki foi foi um dos primeiros restaurantes espanhóis a apostar seriamente na harmonização de comida de base japonesa com vinho. Em 2021, replicou em Lisboa a fórmula vencedora. José António Aparício/Kabuki

Kabuki

O pedigree do Kabuki não engana: foi um dos primeiros restaurantes espanhóis a apostar seriamente na harmonização de sushi e comida de base japonesa – ainda que com uma influência mediterrânica bastante evidente – com vinho.

Em filosofia que ganha não se mexe. E o Kabuki, que é um projecto vencedor no país vizinho, existente há mais de 20 anos, com espaços em Madrid e Valencia, prémios Repsol e uma estrela Michelin no currículo, chegou às Galerias do Ritz, em Lisboa, em Dezembro de 2021, com o mesmíssimo conceito: serviço de excelência, criações icónicas, como o nigiri de ovo de codorniz e patê de trufa, o de wagyu e bife tártaro ou o usuzukuri de carabineiro, entre outras, e vinhos, muitos vinhos na garrafeira.

São já várias centenas de referências, com espaço e vontade para crescer até ao milhar. O sommelier de serviço, Filipe Wang, vindo da alta cozinha (estava no bi-estrelado Michelin Alma), dá especial ênfase aos vinhos portugueses. E como não podia deixar de ser, a região dos Vinhos Verdes está bastante bem representada na carta. Do Solo Único da Quinta do Ameal, desde 2019 a cargo do Esporão, ao Aphros Loureiro de 2014, projecto que provou que a agricultura biodinâmica e a vinificação mais natural também se dão bem na região.

Kabuki
Rua Castilho, 77 (Parque Eduardo VII), Lisboa
Tel.: 212491683
Das 12h30 às 15h e das 19h às 00h. Encerra ao domingo e à segunda. O bar Kikubari está aberto das 12h30 às 00h; de quinta a sábado, até às 01h
Preço médio: 100 euros

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Tudo no Kappo é pensado ao pormenor, do espaço revestido a madeira de mogno aos condimentos importados do Japão. DR

Kappo

Omakase é uma expressão japonesa que significa “ficar nas mãos do chef”. Omotenashi quer dizer “receber bem”. E kappo, além de significar “cortar e cozinhar”, designa um estilo de cozinha japonesa em que cozinheiros e clientes estão frente a frente, ao balcão.

A junção das três palavras explica bem, ainda que de forma resumida, o conceito deste restaurante, que esteve a marinar na cabeça do chef Tiago Penão durante quatro anos, antes de ter encontrado os sócios e o espaço certo, em Cascais.

Como tudo o que marinou, o Kappo é mais rico e complexo do que outros projectos que se limitam a abrir e existir. Tudo nele é pensado ao pormenor: do espaço revestido a madeira de mogno aos condimentos importados do Japão, alguns deles raros, como o Kaykon Black Mirin envelhecido ou a soja Koikishi fermentada oito anos em barricas japonesas.

Tiago Penão, chef e fundador do Kappo (Cascais). DR
Peixe maturado, no Kappo (Cascais) DR
Restaurante Kappo (Cascais) DR
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Tiago Penão, chef e fundador do Kappo (Cascais). DR

Respeitando a tradição da cozinha Kappo, assente em cinco confecções fundamentais – grelhar, cozer em caldo, preparações a cru, fritar e cozer a vapor –, Tiago Penão não deixa de exibir a sua criatividade, com a segurança que lhe dá um currículo respeitável que começou a construir com apenas 16 anos no saudoso Assuka e que inclui passagens pelo Pakta, dos irmãos Adrià, e pelo Midori, entre outros.

Apesar de se poder pedir à carta, a experiência ideal é ficar nas mãos do chef, optando por um dos menus Omakase. O sommelier Ricardo Santos tratará de encontrar os melhores vinhos para acompanhar a degustação, sendo que os Vinhos Verdes marcam presença habitual entre as suas escolhas. Actualmente, é o Soalheiro Granit, cuja vincada mineralidade contribui para reforçar a frescura da matéria-prima.

Kappo
Avenida Emídio Navarro, 23A, Cascais
Tel.: 214844122
Das 12h30 às 14h30 e das 19h à 00h. Encerra ao domingo e à segunda
Preço médio: 90 euros

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Ichiban, que em português significa “primeiro”, foi precisamente o primeiro restaurante japonês clássico a surgir no Porto. Nelson Garrido/Arquivo Público

Ichiban

É daqueles raros restaurantes capazes de conquistar o cliente ainda antes da refeição. Pela localização: mesmo em frente ao mar, na Marginal da Foz. Pela decoração minimalista, em que a madeira tem primazia sobre os restantes materiais. Pelos três pisos, em que se vão descobrindo diferentes pormenores até chegar, no último, a uma gloriosa vista marítima. Finalmente, e não é detalhe, pela imediata sensação de que se trata de um restaurante japonês a sério, chefiado por um mestre japonês que não sabe desempenhar a sua arte de outra forma que não com enorme seriedade.

Esse mestre chama-se Masaki Onishi e antes de abrir o Ichiban, em 2011, era o cozinheiro da Embaixada do Japão, para onde fora substituir o mítico Tomoaki Kanazawa, fundador dos restaurantes Tomo e Kanazawa, em Lisboa, entretanto regressado ao seu país-natal.

Ichiban, que em português significa “primeiro”, foi precisamente o primeiro restaurante japonês clássico a surgir no Porto – havia outros, sobretudo de sushi, mas nenhum tão fiel às tradições do país do Sol Nascente.

Restaurante Ichiban, Porto Nelson Garrido/Arquivo Público
Masaki Onishi, chef e fundador do Ichiban (Porto) Paulo Pimenta/Arquivo Público (2013)
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Restaurante Ichiban, Porto Nelson Garrido/Arquivo Público

Além da oferta de sushi e sashimi, a cargo de um dos melhores profissionais portugueses nesta área, João Vitorino, a carta tem pratos tradicionais do Japão, cuja confecção fica a cargo de Onishi. Aos caldos apuradíssimos e matéria-prima escolhida a dedo junta-se uma oferta de vinhos razoável, onde os Verdes surgem em bom destaque. O Parcela Única, de Anselmo Mendes, o Casa do Valle ou o Soalheiro Alvarinho são algumas das opções disponíveis.

Ichiban
Avenida do Brasil, 454 (Foz), Porto
Tel.: 934044995
Das 12h30 às 14h30 e das 19h30 à 22h30. Encerra ao domingo e à segunda
Preço médio: 50 euros

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Além de espaços de sushi bar e izakaya, no Tokkotai, inaugurado em Março, há também um canto Wine Cellar, que vinca a componente vínica do restaurante. Louie Thain

Tokkotai

Abriu oficialmente no final de Março e é um de dois restaurantes irmãos que chamaram a si a ambiciosa missão de revolucionar a oferta de comida nipónica no centro do Porto. Este, o Tokkotai, só abre ao jantar – o congénere diurno, e mais descontraído, chama-se Tokko e serve apenas almoços. Além de pertencerem aos mesmos sócios, têm ligação por um pátio interior, assinatura do designer Paulo Lobo e movem-se nas mesmas coordenadas gastronómicas, mas as semelhanças acabam aí.

Centremo-nos no mais ambicioso dos dois, o Tokkotai, dividido em várias salas, cada uma com o seu ambiente: a Izakaya, um bar japonês que nos finais de semana ganha animação musical, o Sushi Bar, onde é possível comer defronte dos concentradíssimos sushimen, a Wine Cellar, que deixa bem vincada a componente vínica do restaurante, e a belíssima sala Byōbu, ou dos biombos.

A ementa, definida e executada por uma equipa que viajou propositadamente de São Paulo – a cidade mais japonesa fora do Japão – não oferece os habituais combinados. O cliente é que faz a sua combinação entre propostas tradicionais, mais e menos criativas, como os maki, sashimi, nigiri ou gunkan, sempre com os peixes do dia (e de época), e outras de confecção, onde se destaca, por exemplo, o arroz chaufa – uma especialidade sino-peruana – de marisco com atum flamejado.

Na carta de vinhos contam-se bem mais de uma centena de opções, tornando o Tokkotai destino ideal para quem acredita que o vinho pode, de facto, ser uma companhia primorosa para o sushi e para a comida japonesa. Os Vinhos Verdes estão entre as escolhas predilectas do sommelier Sérgio Macedo, com destaque para o Alvarinho da Quinta de São Gião, complexo e versátil o suficiente para acompanhar uma mão-cheia de opções da ementa, ou o Avesso Reserva da Casa de Vilacetinho, prova de que essa casta merece toda a redescoberta de que tem sido alvo nos últimos anos.

Tokkotai
Rua do Comércio do Porto, 144 (Ribeira), Porto
Tel.: 913037171
Das 19h30 às 00h; sexta e sábado, até às 02h. Encerra ao domingo
Preço médio: 75 euros


Este artigo foi publicado no n.º 5 da revista Singular.

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