Portugal tem de viver com menos água, diz ministro do Ambiente

Duarte Cordeiro avisa que o mais importante é haver água para consumo das pessoas. Se faltar água, o Governo aplica “as restrições que forem necessárias” aos sectores económicos, dando como exemplo os campos de golfe

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Os portugueses vão ter de se habituar a viver com menos água, alerta o ministro do Ambiente, que deixa também um aviso dirigido aos investidores: o Governo “não tem qualquer tipo de limitação na aplicação de restrições” de consumo.

Em entrevista à Agência Lusa, numa altura em que o país vive uma das maiores secas de que há registo, o ministro do Ambiente e Acção Climática, Duarte Cordeiro, salienta que o mais importante é haver água para consumo das pessoas, e que se começar a faltar água o Governo aplica “as restrições que forem necessárias”.

“Não vale a pena, quem promove determinado tipo de investimentos ou infra-estruturas, não ter em consideração que a água é um recurso escasso. E não temos qualquer tipo de limitação na aplicação de restrições quando tal é necessário. É o que temos feito”, disse Duarte Cordeiro, avisando que quem investe sem ter em conta a escassez de água pode ter consequências. E acrescentou: “É importante explicar que vamos ter que nos habituar a viver com menos água, todos, as actividades agro-industriais também, os sectores económicos, e temos todos que olhar para aquilo que são as oportunidades que temos”.

Respondendo em concreto aos campos de golfe, o ministro pede aos investidores que olhem para o território e se salvaguardem. “[Quanto aos] sectores económicos que precisam de água, é bom que invistam naquilo que lhes permite ter água, que é captações no mar, águas reutilizáveis, aproveitar a eficiência... têm mesmo de o fazer não é uma questão de escolha”.

Soluções para o Médio Tejo

Na mesma entrevista, Duarte Cordeiro afirmou que o Governo vai colocar em discussão em Setembro três propostas para colmatar a falta de água no Médio Tejo, uma delas contemplando uma ligação entre os rios Zêzere e Tejo na zona de Cabril. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) está a concluir um estudo de “reforço da resiliência” nas zonas do Médio Tejo, onde há habitualmente problemas de falta de água, o qual deve ser colocado em consulta pública no mês de Setembro.

A APA vai colocar uma avaliação ambiental estratégica, esperada em Setembro, para discutir uma de três opções: uma ligação entre o Zêzere e o Tejo na zona da barragem de Cabril, “aproveitando o final da concessão da barragem”, fazer no rio Ocreza uma nova barragem, ou uma “solução mista”.
No ano passado o anterior ministro da pasta, João Pedro Matos Fernandes, já tinha admitido à Lusa a possibilidade da construção de um túnel de 50 quilómetros entre a barragem de Cabril e Belver, sem transvases, para colocar mais água no rio Tejo. E que a outra solução seria o reforço de capacidade armazenada, em barragem, no rio Ocreza. Em Abril deste ano o PSD já tinha questionado Duarte Cordeiro sobre o estudo da APA, lamentando que nunca tivesse sido apresentado.

Duarte Cordeiro anunciou agora à Lusa que as propostas devem ser apresentadas em breve, todas “salvaguardando sempre a hierarquia dos usos, que é a salvaguarda da água para consumo humano”, e todas no sentido de libertar água para o rio Tejo, sempre que haja necessidade. O ministro considera importante ouvir autarcas, associações, e “todos os atores”. “Queremos ser rápidos”, disse, acrescentando: “Diria que este ano é o ano em que se inicia a avaliação ambiental estratégica e o próximo ano já será de concretização de soluções e de início de procedimentos associados as opções que são tomadas”.

Simpósio na Conferência do Oceano

Duarte Cordeiro falava à Agência Lusa a propósito da Conferência do Oceano, das Nações Unidas, que esta segunda-feira começa em Lisboa e se prolonga até sexta-feira. No âmbito da conferência, a maior alguma vez feita sobre o oceano, sob o tema “Salvar o Oceano, Proteger o Futuro”, realiza-se esta segunda-feira um simpósio de alto nível sobre a água, organizado pelo Governo e que será aberta por Duarte Cordeiro.

O simpósio, explicou o ministro à Lusa, é “um dos mais importantes eventos laterais associados a Conferência do Oceano”. E tem como objectivo “procurar construir nexos entre aquilo que é a importância da salvaguarda da água doce” e a preservação dos oceanos e a luta contra as alterações climáticas.

Portugal, defendeu o ministro, tem trabalho feito nesta matéria, porque passou de 15% das águas residuais tratadas em 1990 para 99% na actualidade. “E isso tem um reflexo imediato ao nível, por exemplo, das praias de bandeira azul”, este ano cerca de 430. Ou seja, disse, ao mar vai parar água tratada, o que se reflecte na qualidade das águas costeiras, o que se reflecte também na biodiversidade marinha.

Nas palavras do ministro, o simpósio, cuja sessão de abertura conta com intervenções de quatro ministros e do subsecretário-geral da ONU para a Economia e Questões Sociais, Liu Zheenmin, servirá também para debater temas como as alterações climáticas, a adaptação à falta de água ou as novas fontes de captação.

“O simpósio é a ligação entre a água doce e salgada. Queremos fazer a relação da importância que o tratamento e preservação da água doce tem para a qualidade dos oceanos”, salientou Duarte Cordeiro, acrescentando que quando se fala da despoluição dos oceanos, da necessidade de preservação da biodiversidade, é importante ter a noção da importância da qualidade da água.

E essa relação com a água está também ligada, acrescentou, às alterações climáticas, à subida do nível das águas do mar, ao impacto na orla costeira, aos fenómenos meteorológicos extremos, mas também à capacidade de adaptação a situações de menos água e à gestão da seca, temas igualmente da reunião de alto nível.

No encontro desta segunda-feira vão estar sobre a mesa os objectivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas relacionados com a água mas também as possibilidades de cooperação entre Estados. E nele participam mais de uma dezena de ministros e de responsáveis de organizações internacionais, entre eles o comissário europeu do Ambiente, Virginijus Sinkevicius.

A reunião desta segunda-feira antecede a Conferência da Água da ONU, em Nova Iorque em Março de 2023, e visa contribuir para o processo preparatório dessa conferência, diz o ministro português.

A propósito da conferência o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembra que, hoje, 40% da população mundial é afectada pela falta de água, 80% das águas residuais são descarregadas sem tratamento no ambiente, e mais de 90% das catástrofes são relacionadas com a água.

Na entrevista à Lusa o ministro Duarte Cordeiro lembra que actualmente 34% do continente está em seca severa e 66% em seca extrema, e diz que em Julho vai iniciar-se uma campanha de sensibilização sobre a matéria. E não tem dúvidas, essas campanhas não podem parar. “Todo este trabalho tem de ter dimensão de continuidade, não podemos dizer que temos de preparar-nos para menos água e não ter um trabalho de sensibilização constante”.

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