Cinco dias para discutir a nossa relação com os oceanos em Lisboa

Conferência das Nações Unidas reúne chefes de Estado e de Governo, agências internacionais e organizações não governamentais para falar sobre tudo o que o mar nos pode oferecer e como podemos tratar dos problemas que tem.

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Acabar com a sobrepesca e a pesca ilegal é uma das metas do Objectivo do Desenvolvimento do Milénio 14

O estado de saúde dos oceanos – que não é bom –, o papel que desempenham na regulação do clima e a importância económica que podem vir a ter para nós, em actividades como a produção de energia, serão temas centrais do debate da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que junta mais de 7000 pessoas de 142 países Parque das Nações, em Lisboa, a partir desta segunda-feira e até sexta.

“Esta não é uma conferência para gerar acordos”, explicou o ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), João Gomes Cravinho, numa apresentação oficial do encontro. Não é como as conferências do clima, em que há a expectativa de que se produza um tratado vinculativo.

É um fórum de discussão sobre os oceanos, que cobrem 71% da superfície do planeta. Tanto no programa oficial como nas centenas de eventos paralelos, o tema geral é avaliar a aplicação do Objectivo do Desenvolvimento Sustentável 14 – que fala em conservar e utilizar os oceanos, mares e recursos marinhos de forma sustentável, e tem várias metas a atingir até 2030. Entre elas está a redução da poluição marítima, combater a acidificação das águas, acabar com a sobrepesca e a pesca ilegal. A primeira Conferência dos Oceanos foi em 2017, em Nova Iorque, e agora serão discutidos resultados de compromissos avançados nessa altura pelos países. E espera-se também que o debate traga novos compromissos.

A conferência junta 17 chefes de Estado – um deles deverá ser o Presidente francês Emmanuel Macron –, dois vice-presidentes, 11 chefes de Governo, 113 ministros e 61 secretários de Estado ou equivalentes, além das lideranças de 38 agências especializadas, incluindo várias do sistema da ONU, como o Programa de Ambiente das Nações Unidas ou a Agência Internacional de Energia Atómica e o próprio secretário-geral da ONU, António Guterres. Além de 1178 organizações não-governamentais, 410 empresas e 154 universidades. A Rússia estará presente, representada por um enviado do Governo para o clima. Mas é mesmo útil haver uma conferência desta dimensão, sem que dela se esperem acordos práticos?

“É útil, sem dúvida. Não há decisões vinculativas que obriguem os Estados, mas há conversações, ainda que informais, sobre uma série de assuntos sobre os quais estão a decorrer negociações em paralelo. Por exemplo, as negociações no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica, ou seja, conhecer o que vão ser os compromissos vinculativos dos Estados para protegerem a sua biodiversidade entre 2021 e 2030”, comentou Catarina Grilo, directora de conservação e políticas na organização ambiental Associação Natureza Portugal/WWF (ANF/WWF). Um dos objectivos em negociação é a meta de proteger 30% dos ecossistemas marinhos até 2030 – que deverá ser aprovada no final deste ano em Montreal, no Canadá, na segunda fase da 15.ª Conferência das Partes (COP15) da Convenção da Diversidade Biológica

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Peixes num recife de coral: a conferência pode servir para discussões informais sobre a Convenção da Diversidade Biológica Greenpeace/REUTERS

“É um ponto de encontro para os Estados, para a sociedade civil, para as empresas, e isso é bom. A nossa expectativa, enquanto WWF, é que se passe das palavras à acção, que não haja apenas um renovar dos compromissos que não foram executados”, sublinha Catarina Grilo.

“Reconhecemos a limitação de não haver poder vinculativo. Ainda assim, é importante a oportunidade para falar da importância que os oceanos têm para a humanidade, e dos problemas que os assolam”, diz Maria Santos, da organização ambientalista Zero. “Apesar de não ser um acordo vinculativo, a declaração final da conferência vai delinear uma trajectória para o futuro”, diz.

A declaração final está a ser preparada há mais de um ano, em Nova Iorque, explicou o ministro dos Negócios Estrangeiros. “Vai abranger um leque variado de temas, e reflectir a forma como hoje se pensa sobre os oceanos, a Agenda 2030 (Objectivos de Desenvolvimento do Milénio)”, disse.

Mineração no mar ausente

“Vão ser discutidas grandes áreas temáticas, como a poluição, a biodiversidade. Sentimos é a falta de certos assuntos mais concretos. Uma questão como a mineração em mar profundo não é abordada”, diz Maria Santos.

“Vários países já declararam uma moratória nas suas águas à mineração em mar profundo, e a WWF, juntamente com outras organizações, defende uma moratória global a esta actividade, até que se saiba o suficiente para compreender bem os seus impactos ambientais e que seja possível mitigá-los”, defende Catarina Grilo. A Zero defende esta moratória. “Esse ponto nunca é abordado. Fala-se de mitigação das actividades, mas nunca em específico deste ponto crucial para preservar a biodiversidade dos ecossistemas dos fundos marinhos, onde nem temos ideia da quantidade de espécies que podem existir. Isto está em falta na agenda”, aponta Maria Santos.

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A produção de energia no mar é uma das possibilidades da economia azul Orsted /HANDOUT

João Gomes Cravinho avançou que Portugal gostaria que a Conferência dos Oceanos de 2022 fosse lembrada sob dois aspectos: “Por um lado, por sublinhar o nexo oceano-clima, uma vez que os oceanos absorvem qualquer coisa como 80% do impacto do aquecimento global”, disse o ministro. “Por outro lado, esperamos que fique associada ao desenvolvimento da economia azul. Há muito interesse das entidades financeiras internacionais, gostaríamos que projectos interessantes encontrassem financiamento adequado em Lisboa”, acrescentou o ministro.

Na terça-feira, realiza-se no Estoril um fórum de investimento na economia azul sustentável que, segundo Alexandre Leitão, representante do MNE na organização da conferência, suscitou grande interesse: “Tínhamos previsto 640 lugares, inscreveram-se 950”, explicou. “O nosso país tem potencialidades económicas enormes na bioeconomia azul. O oceano é uma fábrica escondida de energia, por exemplo”, disse o ministro da Economia e do Mar, na apresentação da conferência.

“Há sem dúvida oportunidades económicas, mas só são materializáveis e sustentáveis economicamente e no longo prazo se tivermos um oceano saudável”, sublinha Catarina Grilo. “Há um conjunto de princípios para o investimento na economia azul sustentável desenvolvidos pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente, que baliza bem o que devia ser uma economia azul sustentável”, informa.

“A nossa preocupação é que se avance na economia azul sem saber se os projectos são compatíveis com os objectivos de conservação para o mar. Temos de garantir que os processos de decisão são transparentes e que incluem todas as vozes. Não nos podemos esquecer da justiça da transição verde”, salienta Maria Santos, da Zero.

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