Guimarães em 3 tempos, com Sofia Escobar

O centro histórico, os museus e o bolo com sardinhas, na Adega do Ermitão: três pontos de partida para tomar o pulso a Guimarães, com a actriz e cantora Sofia Escobar.

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Paco Navarro

O património é uma inevitabilidade na hora de fazer recomendações a quem vem de fora, quando se tem a felicidade de ser de Guimarães. Sofia Escobar* esboça um guião conciso embora abrangente, que vai dos rojões às artes plásticas sem sair do tom, para dar a conhecer a cidade que a viu nascer em 1981 – e estrear-se no palco, 13 anos depois. Após ter triunfado nos musicais do West End londrino e em Madrid, a actriz/cantora gravou o seu primeiro álbum de originais, Tanto Mais, lançado em Março deste ano, e tem por diante uma digressão nacional para ajudar a contar a história.

Rua de Santa Maria: De cima a baixo

Quem vai a Guimarães com pouco tempo tem obrigatoriamente de fazer o percurso do alto do Castelo ao Largo da Oliveira, e não há melhor forma de fazê-lo do que calcorreando a Rua de Santa Maria. Durante séculos, o burgo medieval esteve dividido entre dois núcleos, o que levou a que a Rua de Santa Maria se tivesse tornado um eixo central e muito cobiçado. Está, por isso, pontuada por monumentos como o antigo Convento das Clarissas e por casario notável, como a famosa Casa do Arco. Passear nesta rua é, por isso mesmo, ver o núcleo histórico quase inteiro. É habitual estar apinhado de turistas na época alta, por isso recomenda-se uma visita em época mais calma e, acima de tudo, uma paragem, sensivelmente a meio, na Casa Costinhas, para provar as tortas de Guimarães ou o toucinho-do-céu, receitas seculares aprimoradas pelas freiras de Santa Clara e cujo segredo é mantido aqui.

A memória da cidade

Uma visita a Guimarães particularmente edificante é um percurso que se concentre apenas nas instituições que preservam a sua memória histórica, arquivística e os seus objectos patrimoniais. Aconselho iniciá-la pela Casa da Memória, para percebermos, de modo muito rápido e numa linguagem contemporânea e bastante bem conseguida, a história, o território e as particularidades dos habitantes do concelho. Depois, subimos apenas uns metros a Avenida Conde de Margaride e temos, logo à direita, o Centro Internacional das Artes José de Guimarães, um espaço inesgotável onde a colecção do grande artista (de arte africana, arte antiga chinesa e arte pré-colombiana) e peças da sua autoria convivem com intervenções de artistas contemporâneos consagrados ou emergentes. É um verdadeiro mergulho entre o passado, o presente e o mundo. Subindo as escadas do antigo mercado, sai-se para a Sociedade Martins Sarmento, mesmo ao lado, para descobrir a maravilhosa biblioteca, o salão nobre e o museu arqueológico, intocado pelo tempo. Termine este percurso conhecendo o Museu Alberto Sampaio, num espaço que remete para a formação de Portugal e que expõe vários tesouros nacionais.

Momentos à mesa

Uma visita à cidade não fica completa sem uma lauta mesa. Sugiro o bolo com sardinhas acompanhado por um vinho verde branco das redondezas, fresco e de qualidade. Este prato é habitualmente consumido pelas famílias vimaranenses na noite de sábado, porque a sua preparação exige rapidez e algum trabalho no forno a lenha. Por esta razão, geralmente vai buscar-se fora ou consome-se à mesa de um bom restaurante – raramente é confeccionado em casa. Comê-lo por entre penedos de granito, ar puro e árvores velhas, na Adega do Ermitão, no alto da Penha, depois de uma viagem curta de teleférico, traz um sabor muito especial.

Quem quiser conhecer Guimarães à mesa, no entanto, tem de vir celebrar os rojões das Nicolinas, na noite de 29 para 30 de Novembro. O carácter festivo da comunidade, o convívio entre gerações, a celebração da vida, o orgulho pela história da cidade e pelas suas tradições revela-se todo nessa noite. É um ritual de passagem dos estudantes do secundário e um dia de excessos, tanto à mesa como na rua — uma espécie de catarse necessária a todos e a todas. Num dia mais calmo, saboreie-se, numa esplanada das belas praças da cidade, a doçaria tradicional, a acompanhar o café ou o chá; e, especialmente, o doce de calondro (uma espécie de cucurbitácea), tradição que quase se perdeu e que vai sendo agora recuperada.

*depoimento recolhido e editado por João Mestre


Este artigo foi publicado no n.º 5 da revista Singular.

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