Presidente do Supremo ao ataque: “Não se compreende discurso sobre morosidade da justiça”

Principais representantes pela magistratura portuguesa negam-se a revelar que punição disciplinar impende sobre juiz Ivo Rosa: “Não lemos. Não sabemos. Não vimos”.

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Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça Daniel Rocha

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, deixou um recado que encaixa na perfeição no discurso que o Presidente da República tem feito ao longo dos últimos anos sobre a lentidão da justiça portuguesa.

Num encontro com a comunicação social, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) apresentou as mais recentes estatísticas sobre o sector para defender, uma vez mais, que a morosidade da justiça portuguesa é um mito que se mantém vivo por via do tempo que demoram a ser resolvidos os mega-processos – e não por a maioria dos casos demorar assim tanto tempo a chegarem a um desenlace.

Mesmo admitindo que para além dos mega-processos existem sectores muito lentos, nomeadamente aqueles que dizem respeito à justiça criminal, Henrique Araújo defendeu que quando isso sucede “não é por culpa dos tribunais nem dos juízes”. Então é por culpa de quem? O presidente do Supremo, que por inerência de funções dirige também o CSM, não se furtou à resposta: para Henrique Araújo, o excesso de garantias de defesa concedidas aos arguidos da criminalidade económico-financeira faz com que estes suspeitos consigam interpor recursos “quase por tudo e por nada”, adiando assim o desfecho dos processos.

O presidente do Supremo defende por isso uma revisão do Código de Processo Penal que acabe com este estado de coisas, acelerando o curso da justiça. “De quem é a culpa? De quem tem a responsabilidade de fazer medidas legislativas”, declara, apontando assim o dedo ao Parlamento e ao Governo.

Mas esta não foi a única acusação que proferiu Henrique Araújo neste encontro. Depois de o CSM ter apresentado estatísticas que demonstram que o nível de litigiosidade em Portugal é o nono mais alto da União Europeia e que mesmo assim as taxas de resolução dos processos civis e comerciais não se encontram entre as mais baixas dos 27 países-membros, Henrique Araújo fez questão de dizer o que pensava daqueles que, apesar deste quadro, insistem em proclamar que a justiça portuguesa é demasiado demorada. “Todos os dias altos responsáveis da nação falam da morosidade da justiça. Não consigo compreender como podem ter um discurso dessa natureza”, criticou. O vice-presidente do CSM, José Sousa Lameira, alinhou pelo mesmo diapasão: se o tempo médio de resolução de uma acção cível está nos 280 dias, “ninguém pode dizer que a lentidão da justiça se transformou num entrave ao desenvolvimento económico”.

Questionado há menos de uma semana sobre o facto de ainda não ter sido apurada de uma vez por toda a responsabilidade pelos incêndios de Pedrógão, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa não foi meigo na resposta: “A justiça tem o tempo que conhecemos em Portugal. Infelizmente, nós sabemos que a justiça, em casos múltiplos, tem demorado cinco, 10, 15 anos, 20 anos. É realmente um ponto fraco da nossa democracia a lentidão da Justiça”, declarou, repetindo aquilo que já afirmara muitas vezes antes ao longo dos últimos anos. Antes, em Abril passado, na cerimónia de abertura do ano judicial, tinha uma vez mais voltado ao tema, ao afirmar que “mesmo no seu tempo a justiça é lenta demais”, seja porque “os recursos continuam a ser ou insuficientes ou pouco efectivos no seu uso”.

Segundo o CSM, em 2019 Portugal tinha conseguido atingir a terceira melhor taxa de resolução processual da União Europeia. E se desceu em 2020 para o 15º lugar, isso ficará a dever-se à interrupção dos julgamentos durante a pandemia – o que, de acordo com este órgão, não sucedeu em todos os países-membros, pelo menos da mesma forma.

Estatísticas à parte, os dirigentes do CSM recusaram-se a confirmar que impende sobre o juiz de instrução criminal Ivo Rosa uma acusação que poderá levar à sua suspensão disciplinar durante algum tempo, por alegada ingerência nas decisões do seu colega de tribunal Carlos Alexandre.

Era expectável que a actuação do magistrado lhe pudesse vir a valer uma repreensão, mas segundo o jornal online Observador o inspector encarregado de analisar as infracções disciplinares de Ivo Rosa optou pela suspensão. Porém, seja essa ou outra a pena disciplinar a aplicar, ela terá de ser validada pelo plenário do CSM antes de se tornar efectiva. Henrique Araújo e José Sousa Lameira mostraram-se irredutíveis ao negarem-se a revelar que tipo de punição está em cima da mesa: “Não lemos. Não sabemos. Não vimos”.

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