Morreu Yves Coppens, um dos paleontólogos que descobriram a Lucy

O paleontólogo francês, que morreu aos 87 anos, era um dos investigadores que, em 1974, descobriram o fóssil de Lucy, um australopiteco com 3,2 milhões de anos.

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Yves Coppens morreu esta quarta-feira aos 87 anos Miguel Manso

O paleontólogo francês Yves Coppens morreu esta quarta-feira aos 87 anos. Professor e investigador no Colégio de França, um dos institutos de investigação mais prestigiados, Coppens era um dos paleontólogos presentes em Novembro de 1974 no Norte da Etiópia quando se descobriu o fóssil de Lucy, um australopiteco fêmea com mais de três milhões de anos.

Odile Jacob, que fundou a editora Les Éditions Odile Jacob, anunciou a morte do paleontólogo na rede social Twitter.

Em entrevista ao PÚBLICO, em 2009, Yves Coppens destacava o desenvolvimento do cérebro como diferença fundamental na criação de consciência e que permitiu o salto entre os australopitecos e o Homo habilis: “O desenvolvimento do cérebro, que é a forma de adaptação escolhida por aquela personagem – o Homo habilis –, ​ traz com ele a consciência, o que é realmente extraordinário. Significa que, em vez de saber – como Lucy provavelmente sabia –​, Homo habilis, graças a um bocadinho de córtex a mais, a um punhado de células cerebrais a mais, ele sabe que sabe, como uma espécie de retorno em espelho.”

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A descoberta de Lucy, em 1974, é o maior marco da sua carreira enquanto investigador: era um dos responsáveis da equipa que desenterrou o fóssil juntamente com Donald Johanson e Maurice Taieb. Os fósseis deste Australopithecus afarensis representaram as primeiras provas de que os hominíneos com mais de dois milhões de anos já eram bípedes – uma surpresa para os investigadores. Antes desta exploração no Norte da Etiópia, não havia provas do modo de locomoção destes nossos antepassados.

Ao PÚBLICO, na entrevista de 2009, contava uma experiência prolongada no tempo. Primeiro, através dos pequenos fósseis encontrados em 1973: “Começámos por encontrar um bocado de osso temporal e um joelho, que baptizei ‘o joelho de Claire’ [do título de um filme de Eric Rohmer]. Portanto, quando dois jovens da nossa equipa encontraram os primeiros fragmentos de Lucy, pareceu-nos interessante, mas nada de extravagante.” Depois a imagem completa que se formou quando todos os fósseis foram desvendados: “No início, Lucy era apenas o AL-288 um conjunto de fósseis encontrados numa dada localidade de Afar. Aos poucos, fomos percebendo que se tratava provavelmente de um único indivíduo. (…) Era a primeira vez que se descobria no mesmo esqueleto sinais de bipedismo e de vida nas árvores. Era uma demonstração inesperada e fantástica do estado intermédio entre o carácter arborícola de antes e o bipedismo de depois.”

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E, claro, a famosa história do nome de Lucy, que Yves Coppens recordava: “No dia em que marcámos o osso da bacia e percebemos que era do sexo feminino, estávamos a ouvir Lucy in the sky with diamonds, dos Beatles. A partir daí, AL-288 passou a chamar-se Lucy, que era, admitamos, uma designação mais elegante.”

Era este o “esqueleto menos incompleto” de um hominíneo, como caracterizava Yves Coppens ao jornal francês Liberation em 1999. Um conjunto de 52 ossos que o acompanharam desde os anos 1970 em grande parte dos seus trabalhos.

O primeiro hominídeo que Yves Coppens descobriu foi uma década antes, em 1961 no Chade, quando encontrou o Tchadanthropus uxoris com cerca de um milhão de anos – e no mesmo local que o crânio de Toumaï, o hominídeo mais velho da família humana com sete milhões de anos, descoberto no início do século XXI.

A partir dos anos 1960, e sobretudo depois de na década seguinte participar na descoberta de Lucy, recebe várias distinções e nomeações na academia francesa. Em 1980, além de se tornar professor do Museu Nacional de História Natural, é nomeado director do Museu do Homem, um museu etnográfico em Paris (França), onde se pode encontrar uma das mais ricas colecções de fósseis humanos do Paleolítico, há cerca de 2,5 milhões de anos, bem como a Lucy.

Há menos de um mês lançou o livro Uma Memória de Mamute (editado pela Les Éditions Odile Jacob), onde, em jeito autobiográfico, conta 36 histórias que vivenciou e a partir das quais escreve também sobre a história do mundo e do ser humano.

Por realizar fica o sonho de inscrever os menires de Carnac como património mundial da UNESCO. Desde 2003 que Coppens apelava à protecção dos mais de 3000 megalitos que se erguem desde 2000 a.C. nesta região da Bretanha, onde o paleontólogo, que morreu esta quarta-feira, passou uma parte da infância.

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