Primeiro Presidente de esquerda, primeira vice-presidente negra: “A Colômbia mudou”

Uma estreia para o país na eleição de um progressista para a Presidência: Gustavo Petro conseguiu 50,5% dos votos. A candidata a vice, Francia Elena Márquez Mina, é uma conhecida líder ambientalista.

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Petro, economista de 62 anos, foi membro da organização de guerrilha M-19 EPA/Mauricio Duenas Castaneda

Pela primeira vez, a Colômbia tem um Presidente de esquerda, em resultado das eleições de domingo, em que Gustavo Petro conseguiu vencer o rival Rodolfo Hernández, que fez fortuna com imobiliário e é conhecido como o “Trump colombiano”. Mas um só título não tem espaço para dizer o que foi extraordinário nesta eleição: não só trouxe o primeiro Presidente de esquerda ao país, como a primeira mulher negra na vice-presidência, a activista ambiental Francia Elena Márquez Mina.

A eleição registou ainda a menor abstenção em 24 anos, acrescenta a professora de Ciência Política Ana Arjona, da Northwerstern University (EUA) no Twitter. “A desigualdade, a justiça social, os danos ambientais e a igualdade das minorias estão entre as prioridades” dos eleitores, escreveu. “A Colômbia mudou.”

Gustavo Petro venceu com 50,5% dos votos contra 47% de Hernández, derrotando uma frente praticamente unida da direita e parte do centro político que se juntaram sob o lema “todos menos Petro”. Mas os seus adversários, o ainda Presidente Iván Duque e o ex-presidente Álvaro Uribe, reconheceram rapidamente a sua vitória.

A analista do International Crisis Group Elizabeth Dickinson sublinha, numa publicação no Twitter sobre as razões da vitória de Petro, que “pela primeira vez, campesinos [trabalhadores rurais], os movimentos sociais e organizações da sociedade civil foram vitais para eleger um presidente”, acrescentando que “esta não é uma pequena mudança, é fundamental para perceber o novo espaço político”.

“O medo e a estigmatização da esquerda política já não é uma estratégia vencedora”, notou ainda a analista, e a diversidade deixou de ser uma fraqueza para se tornar sim numa vantagem política.

Tal como Arjona, Dickinson sublinhou que os eleitores se preocuparam com “questões do dia-a-dia”, como “a desigualdade, a falta de oportunidades, o desenvolvimento rural”, enquanto “o conflito, e o medo da sua ameaça existencial para Bogotá, passam a pano de fundo”, escreveu.

“Os colombianos votaram num candidato que promete negociar com o ELN [Exército de Libertação Nacional, marxista-leninista] e dissolver outros grupos armados em consulta com a sociedade”, escreveu.

À terceira

Petro, economista de 62 anos, entrou, aos 17 anos, no movimento M-19, fundado contra alegadas irregularidades eleitorais em 1970. Militou dez anos no grupo, que chegou a ser o segundo maior grupo armado a seguir às FARC em meados dos anos 1980 (no final da década desmobilizou a actividade armada mantendo-se apenas como partido político). Petro entrou na política tradicional, foi congressista, senador, e presidente da Câmara da capital Bogotá (mudou entretanto de partido). Esta foi a sua terceira tentativa de ser eleito Presidente, com uma campanha com foco na diminuição das desigualdades num país em que, nota a BBC, quase metade da população vive em situação de pobreza. Também propôs a introdução de ensino superior gratuito, e um aumento de impostos sobre terrenos que não estão a ser usados para produção.

Petro quer ainda mudar o modo como a Colômbia luta contra o narcotráfico, tentando convencer os agricultores a preferirem outras culturas às folhas de coca, que são usadas para produzir cocaína e mais lucrativas (podem ser colhidas quatro vezes por ano, por oposição a apenas duas no cultivo de café, por exemplo).

A vice-presidente eleita dividiu as atenções com o Presidente, levando a confissões de comoção nas redes sociais: “no país com mais líderes ambientalistas assassinados, uma mulher negra, líder ambientalista, activista desde pequenina, é vice-presidente da Colômbia. Isto faz-me chorar”, declarou no Twitter a jornalista Natalia Algarín.

Mineira, advogada

Outra jornalista, Natalia Tamayo Gaviria, do diário El Espectador, fazia o retrato de Francia Elena Márquez Mina: “Uma mulher negra, de Suárez, mãe solteira aos 16 anos, mineira, empregada doméstica, advogada, líder ambiental.”

Uma biografia muito pouco comum no país, em que as pessoas na política têm em geral boas ligações, e não vêm de situações de pobreza. Com fama, e sucesso, pela campanha que liderou em 2004 contra mineração ilegal de ouro na sua cidade natal, Márquez era uma activista já conhecida no país. O seu carisma e a sua história de vida ajudaram a que a candidatura da dupla progressista apelasse também aos grupos mais marginalizados da Colômbia.

A outra face da moeda é ser atacada por ser demasiado fracturante, tal como Petro. Uma eleitora de 70 anos ouvida pelo New York Times num bairro rico da capital disse estar “aterrorizada” com as políticas de esquerda de Petro e o seu passado no M-19, declarando estar a pensar sair do país.

A divisão e polarização do país – também espelhada num Congresso fragmentado será um dos desafios que o Presidente, e a sua vice, terão de enfrentar depois de tomarem posse, a 7 de Agosto.

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