Maria José Fernandes: “Espero que a maioria absoluta permita mexer em algumas leis fundamentais”

Os politécnicos acreditam que a nova legislatura cria condições para rever o Regime Jurídico do Ensino Superior e o estatuto de carreira dos docentes.

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Maria José Fernandes, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) Daniel Rocha

A possibilidade de outorga de doutoramentos pelos institutos superiores chega ao Parlamento a 23 de Junho. O primeiro-ministro é favorável, garante a presidente do CCISP, Maria José Fernandes.

Chega à liderança do CCISP num contexto diferente, com um Governo de maioria absoluta. O que é este quadro político permite?
Espero que permita muita coisa, como mexer em algumas leis fundamentais. O Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, de 2009, veio dignificar muito o sector politécnico. Passou a ser obrigatório o doutoramento para integração na carreira e houve um salto qualitativo significativo na qualificação do corpo docente. Mas, neste momento, temos que olhar para o estatuto e ver que este tem um conjunto de fragilidades, nomeadamente na definição do perfil dos professores. Tem que haver professores com um perfil mais académico, outros mais ligados à investigação. E, cada vez mais, precisamos de docentes ligados à prática.

Essa possibilidade já existe.
Nos politécnicos temos a figura do especialista, que permite atrair precisamente pessoas com uma prática profissional relevante, mas depois a própria lei permite que um professor especialista entre na carreira docente e passe a estar em exclusividade, deixando de estar no mercado de trabalho. Assim, perdem aquilo que faz com que sejam especialistas. A carreira docente mereceria uma reflexão profunda, como o próprio Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES).

O RJIES previa a sua revisão ao fim de cinco anos, que nunca foi feita. Agora há condições políticas para que isso aconteça?
Penso que sim. É preciso, desde logo, mexer na forma como é eleito o presidente [de um instituto politécnico]. O presidente [ou o reitor, no caso das universidades] é eleito por 20 e poucas pessoas, [que compõem o Conselho Geral, órgão máximo de cada instituição]. Quando a eleição acontece, a representatividade da escolha já está toda enviesada.

A possibilidade de outorga de doutoramentos pelos institutos politécnicos foi incluída na Lei de Graus e Diplomas, na primeira legislatura deste Governo do PS, mas entretanto não foi concretizada. Em que ponto está esta questão?
Por sugestão dos Conselhos Gerais, liderados pelo professor Pedro Lourtie [secretário de Estado do Ensino Superior entre 2001 e 2002], apresentámos uma iniciativa legislativa dos cidadãos (ILC) nesse sentido, que já tinha sido aceite na Assembleia da República antes da dissolução do Parlamento. A discussão, na generalidade, no Parlamento está agendada para 23 e 24 de Junho.

Para nós é uma questão muito urgente, da qual temos saído muito prejudicados. Se lhe for mostrar um laboratório de Inteligência Artificial, por exemplo, vai encontrar lá muitos doutorandos, que estão a usar os nossos equipamentos, que estão a fazer investigação aqui [no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave], mas depois têm que tirar o grau no Porto, no Minho, onde quiserem. Os politécnicos conseguiram dar um salto em termos de investigação e criámos massa crítica, com doutorandos, com docentes-orientadores.

Qual é a possibilidade de essa iniciativa legislativa ser aprovada?
Na reunião que tivemos com o primeiro-ministro, António Costa [quando este estava a constituir o Governo], tivemos a sua concordância. Sobre a possibilidade de atribuição de doutoramentos pelos politécnicos, as coisas estarão de alguma forma alinhavadas, com a concordância genérica dos partidos.

A questão da designação como Universidades de Ciências Aplicadas pode ser mais difícil?
É essa a percepção que temos, sim. Embora nós entendamos que a questão da designação é muito importante. Para a nossa afirmação internacional, era fundamental. A palavra ‘universidade’ é universal. O termo instituto causa ruído. Perguntam-nos sempre se é público ou privado.

Boa parte da formação de professores para o ensino básico e secundário passa pelos politécnicos. Um estudo do Edulog, publicado em Abril, dizia que um terço dos docentes universitários que formam professores não é especializado em ensino. Como se resolvem estas lacunas da formação de professores?
Há dias fomos chamados pelo ministro da Educação para uma reunião. Indigitámos três colegas, liderados pela professora Ângela Lemos, presidente do Politécnico de Setúbal, para integrar um grupo de trabalho que vai estudar esta questão. Entretanto, também já houve uma reunião mais alargada com todas as Escolas de Educação. Há um conjunto de desafios que precisam de ser enfrentados. O cenário que nos mostra o estudo feito pelo ministério. Se não houver mudanças, não vamos ter professores.

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