Carta aberta ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Aposte em mais e melhor habitação a preços acessíveis, construa parques de estacionamento à entrada de Lisboa e conduza uma política de mobilidade, com passeios para peões e ciclovias, mas sem ideologias anticarro e com o mínimo de sensatez.
Eng. Carlos Moedas, Exmo. sr. presidente da CML
Antes de mais, gostaria de felicitá-lo pela sua vitória nas autárquicas de Lisboa, 2021, mas também pela inteligência política e sentido de compromisso com que tem gerido a pouco comum situação na vereação de Lisboa, com um presidente eleito com maioria relativa numa lista de centro-direita, mas que tem que lidar com uma maioria de vereadores de partidos de esquerda. Note-se que estes últimos (no seu conjunto) foram incapazes de se unir para uma lista conjunta em 2021, mas estão sempre prontos a unir-se para obstruir as políticas com que V. Exa se apresentou a votos. Pior, a maioria de esquerdas e, amiúde de obstrução, parece pilotada por um partido (o Livre) que tem um único vereador em funções, e um deputado único na Assembleia da República. Todavia, aquele só entrou na vereação porque foi na lista do PS: se usarmos o simulador do método de Hondt do sítio da rede do Ministério da Administração Interna e usarmos as votações dos partidos nas legislativas de 2022 para a atribuição dos 17 lugares da vereação verificaríamos que o Livre, com os seus 14.110 votos, 3,83%, não elegeria um único vereador.
Não votei na lista de V. Exa, mas acho que em democracia é preciso deixar os vencedores governarem, mesmo que a correlação de forças na vereação exija negociação permanente, como tem feito V. Exa. Mas também não votei na lista do senhor Medina, a do PS com as forças que colocou “no bolso” e mesmo assim não deu para ganhar…, porque reputo os seus mandatos globalmente negativos para a cidade.
Recorde-se que o senhor Medina teve três mandatos, mas só foi a votos em dois. No primeiro mandato, foi escolhido como o delfim do atual primeiro-ministro e governou por cooptação…. Ao fim desse mandato (2017), perdeu a maioria absoluta (menos três vereadores do que em 2013) que vinha da eleição anterior e passou a ter de fazer uma coligação com o BE para governar. Parece que o povo de Lisboa não apreciou lá muito o primeiro exercício do senhor Medina. Na segunda eleição autárquica em que foi a votos (2021), Medina perdeu a eleição para V.Exa. Mas o seu mentor político premiou-o com o Ministério das Finanças, fazendo jus à máxima de que em política “vale mais cair na graça do que ser engraçado”, sinalizando quem ele gostaria que fosse o seu delfim na sucessão da liderança do PS….
Do meu ponto de vista, e pelos votos expressos pelo povo de lisboa, os seus mandatos foram globalmente negativos para a cidade. Do meu ponto de vista, há três questões fundamentais que explicam isto.
Primeiro: apesar de o PS ter estado no poder em Lisboa durante 14 anos (2007-2021), a Lisboa que deixou “não é para todos” (para inverter o slogan de Medina em 2017). Ao fim de 14 anos de governação socialista e de sucessivas promessas de mais habitação a preços acessíveis para os jovens e as classes médias (já para não falar dos pobres), os preços da habitação em Lisboa são simplesmente proibitivos para esses grupos, e as medidas tomadas foram mínimas e incapazes de inverter a tendência de alta “pornográfica” dos preços da habitação….
Segundo: apesar das promessas de construção de parques de estacionamento a preços controlados, à entrada de Lisboa, para as pessoas de fora não trazerem tanto o carro para a cidade (uma boa ideia), os tais parques efetivamente construídos foram-nos (se e quando foram) em dimensão e volume absolutamente insuficientes para atingir o objetivo. Pior: nas freguesias à entrada de Lisboa (como a minha, Benfica) a criação de parquímetros para dissuadir as pessoas de trazerem o carro para dentro de Lisboa é deixada ao critério dos presidentes de junta que, por sua vez, dizem que precisam de petições da cidadania a pedir parquímetros para implementarem os ditos, negando assim a existência de qualquer política coerente, estruturada e sistemática para impedir o crescimento do número de carros (sobretudo de não residentes em Lisboa) a circular na cidade. No meu bairro, zona da nova Estrada do Calhariz de Benfica (zona 9F da EMEL) o presidente da junta, Ricardo Marques (que tem feito um bom trabalho noutros domínios), tem sido incapaz de implementar parquímetros na zona, apesar de esta estar rodeada de parquímetros, na zona do Fonte Nova, na contígua JF de São Domingos de Benfica, etc, e de as pessoas de fora de Lisboa todos os dias virem aqui estacionar o carro, porque é de graça e as autoridades nada fazem.
Pior, a EMEL, que o senhor Medina e os seus amigos políticos investiram de funções policiais (num movimento de mais do que duvidosa constitucionalidade…), dá-se ao luxo de vir rebocar carros de moradores (não raro obrigados a estacionar em cima do passeio por não terem lugares, ocupados por não residentes, pela falta de parquímetros e por vivermos rodeados de cada vez mais obras realizadas em simultâneo, da CML e da JFB) sem ter sequer existirem parquímetros aqui na zona, pasme-se.
Terceiro: a vertigem participacionista dos socialistas e dos seus amigos políticos para implementarem parquímetros em certas freguesias da cidade (que reputo de absolutamente essenciais em toda a cidade) não se viu na implementação das ciclovias (que pessoalmente apoio, até porque uso bicicleta amiúde) ou na imposição de limites de velocidade de 30km/hora (ou de 80km para 50km em vias rápidas) impedindo a fluidez razoável do trânsito e dificultando a vida às pessoas nas suas deslocações profissionais e outras. Mais, as esquerdas que querem governar em Lisboa a partir da oposição, tal como o senhor Medina nos seus tempos, querem começar a casa pelo telhado: primeiro obrigar as pessoas todas a andarem de bicicleta ou de transportes públicos, e depois a seu tempo (lá para as calendas talvez?!...) virão as bicicletas (no meu bairro há duas estações de bicicletas sem as ditas, desde o Verão de 2021) e os transportes públicos eficientes e convenientes; e, de caminho, as esquerdas lideradas pelo Livre lá vão infantilizando os cidadãos, querendo obrigar-nos a andar a 30km/ hora (ou a 50km em vias como a 2.ª Circular), e a encher a cidade de radares (que a bem da transparência V. Exa decidiu, e bem!, passar a sinalizar com clareza).
Sumarizando, caríssimo presidente da CML, permito-me humildemente sugerir que inverta os elementos negativos das políticas socialistas elencadas atrás. Primeiro, aposte efetivamente em mais e melhor habitação a preços acessíveis para os jovens e as classes médias. Segundo, construa efetivamente bastantes parques de estacionamento a preços controlados, à entrada de Lisboa, para as pessoas de fora não trazerem tanto o carro para a cidade, e implemente sem demoras parquímetros nos bairros históricos à entrada de Lisboa. E retire os poderes policiais investidos na EMEL, em geral, mas sobretudo onde não tem parquímetros, e restitua-os à Polícia Municipal. Terceiro, conduza uma política de mobilidade estruturada, sistemática e coerente, com transportes públicos, com passeios para peões e ciclovias para bicicletas, mas sem ideologias anticarro e com o mínimo de sensatez, transparência e razoabilidade quanto a radares e a limites de velocidade.
E não tema confrontar as maiorias que só funcionam para obstruir (mas são incapazes de construir alternativas conjuntas), as pessoas não gostam de obstrução!
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico