Jerusalém: o sabor da romã

A leitora Maria Goreti Catorze partilha os sentimentos diferentes que provoca esta cidade do Médio Oriente.

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Quando fui a Florença alguém me preveniu: “É a cidade mais bonita do mundo.” Não era, talvez fosse apenas uma cidade (bonita) onde essa pessoa se sentiu bem.

Anos depois, de partida para Jerusalém, uma palestiniana residente em Portugal disse-me convicta: “É a cidade mais bonita do mundo.” Também não era, é possível que fosse a cidade que ela amava à distância.

Jerusalém não é uma cidade onde nos sintamos bem, aliás, é uma cidade onde nos sentimos sempre desconfortáveis por várias razões: o conflito israelo-árabe, a ortodoxia judaica, a coabitação de culturas sempre distantes, o contraste entre a vivência violenta dos seus habitantes e a vida tranquila dum cidadão ocidental.

Não é fácil viver nem ser turista ali. O contacto mais amável que tive foi o da loja de lembranças do bairro cristão, onde o frade que está ao balcão tem a postura pacificadora dum santo. Quase tudo o resto é hostil, sobretudo as forças militarizadas que patrulham as ruas e barram sistematicamente a entrada na esplanada das mesquitas.

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Maria Goreti Catorze

Então porque voltamos ao nosso mundo calmo e sentimos que valeu a pena ter lá estado? Porque nos deixa Jerusalém a memória mais avassaladora de todas as cidades que visitámos? Porque as viagens mais emotivas são as de reconhecimento físico dos lugares que pertencem ao nosso imaginário afectivo.

Estivemos lá tantas vezes na missa de Domingo de Ramos quando aclamámos Jesus entrando pela porta dourada da muralha (depois fechada com pedra, tal como permanece actualmente), percorremos as mesmas ruas e temos na cabeça o ruído da multidão que primeiro O aclama e depois apupa até à morte na cruz.

Também é lá que está a Cúpula da Rocha, a mesquita de cúpula dourada, local onde Maomé subiu ao céu, o monte do Templo, lugar do primeiro templo de Salomão, destruído e reerguido como Segundo Templo, novamente destruído pelos romanos, de que resta apenas o Muro das Lamentações.

Pátria das religiões monoteístas, islamismo, cristianismo e judaísmo, Jerusalém é historicamente um local de disputa e de guerra. Mas tem a força espiritual dos lugares sagrados, o cheiro almiscarado das especiarias do bairro árabe, o rosa-rubro das bungavílias nos muros e o sabor reconfortante da romã que os vendedores ambulantes vendem em sumo nas ruas douradas de calcário da Cidade Velha.

Maria Goreti Catorze

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