Sócrates recorre à subvenção mensal vitalícia para pagar despesas com doutoramento no Brasil

Antigo primeiro-ministro diz que não tem de informar as autoridades sobre as suas deslocações a São Paulo, mesmo que superiores a cinco dias, por não ter termo de identidade e residência no processo Operação Marquês.

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José Sócrates contradiz as autoridades e diz que não é obrigado a comunicar viagens para fora do país Rui Gaudencio

O antigo primeiro-ministro socialista, José Sócrates, acusou a justiça portuguesa de abuso ao exigir informações sobre as viagens que tem feito com regularidade ao Brasil, desde Abril do ano passado, superiores a cinco dias e reiterou a sua inocência relativamente a todas as acusações que lhe foram feitas.

“Estou inocente de todas as acusações que me foram feitas. Esta ideia de que estou a atrasar o processo é ir um pouco longe demais no cinismo e na hipocrisia”, declarou José Sócrates, questionado sobre se está a atrasar deliberadamente o processo ao ter pedido a nulidade da distribuição em Tribunal da Relação de Lisboa do recurso relativo à decisão instrutória juiz Ivo Rosa no processo Operação Marquês.

Em entrevista esta quarta-feira à noite à SIC, José Sócrates revelou que decidiu retomar a subvenção mensal vitalícia por ter interrompido a sua actividade profissional. Desde Junho de 2016 que o antigo primeiro-ministro recebia uma subvenção mensal vitalícia da Caixa Geral de Aposentações no valor de 2372 euros. O antigo secretário-geral do PS deixou de receber a subvenção como ex-deputado porque passou a trabalhar no sector privado. Trabalhar e ao mesmo tempo receber subvenção é incompatível.

E à pergunta se foi ele a pagar as viagens a São Paulo, Sócrates foi taxativo: “Com certeza que sou eu que custeio todas estas despesas. Eu tenho trabalhado nestes últimos tempos para algumas empresas, mas também retomei a minha subvenção vitalícia que me tem permitido custear todas estas despesas.”

Grande parte da entrevista andou à volta das viagens que tem feito ao Brasil com alguma regularidade e que não comunicou às autoridades judiciárias como estava obrigado por lhe ter sido aplicada a medida de coacção de termo de identidade e residência. O antigo primeiro-ministro, que é arguido da Operação Marquês, disse que não tem o dever de comunicar as viagens ao tribunal porque não tem termo de identidade e residência neste processo.

“Não quero a minha vida privada nos jornais”, repetiu por várias vezes ao longo da entrevista, passando a mensagem de que é por isso que não prestou informações sobre as viagens ao tribunal e também por considerar que o tribunal não coloca as questões com “bons modos.” “A senhora juíza não me pode obrigar nem pode ir perguntar à polícia sobre onde andei ou deixei de andar. É apenas um abuso, é uma violência que se soma a tantas outras destes oito anos”, disse, atirando: “Quando me pedem com bons modos eu respondo. Quando me perguntam como se fosse um Estado policial eu reajo mal a isso.”

Ainda a este propósito, Sócrates repisou a ideia de que não tem o dever de comunicar as viagens transatlânticas às autoridades por não ter termo de identidade e residência e a prova disso é que “se a juíza [Margarida Alves] pediu é porque não o tinha”.

“Eu fui ao Brasil cumprir apenas as minhas obrigações académicas. Inscrevi-me no doutoramento na Universidade de São Paulo e foi para isso que viajei. E escrevo numa revista brasileira. Para nada mais do que isso. Também tenho muitos amigos no Brasil. Agora não estou a fazer política no Brasil, não participo em campanhas nenhumas”, justificou o antigo líder do PS.

Sobre essas relações, José Sócrates desmente cargos políticos, como conselheiro ou pessoa próxima de Lula da Silva e remata com uma tirada: “[São] meras maluquices.”

Tendo em conta o processo de João Rendeiro, o jornalista questionou o antigo primeiro-ministro se não temia um agravamento das medidas de coacção, ao que respondeu: “Eu nada temo. Eu não temo as tempestades nem gosto de rastejar.”

Em 2017, José Sócrates foi acusado no processo Operação Marquês pelo Ministério Público de 31 crimes, entre os quais corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal. Acontece que na decisão instrutória, em Abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar José Sócrates de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e outros tantos de falsificação de documentos.

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