A Matemática está em discussão
Uma coisa é mexer no telemóvel, outra coisa é dominar ferramentas e submeter-se a uma avaliação com a parte tecnológica é determinante.
Já começou a discussão pública do novo programa de Matemática no ensino secundário, cuja aplicação terá início em 2024. Já muitos se pronunciaram sobre estas mudanças e muito opinaram sobre o assunto. A mim restam-me algumas questões quanto ao desembocar do percurso nos exames nacionais e no acesso ao ensino superior. As questões de maior monta não são as relacionadas com aquilo que chamam a ‘Matemática para a cidadania’, com mais estatística, literacia financeira e desenvolvimento do pensamento computacional, mas sim as relacionadas com a avaliação e com a preparação dos professores.
A avaliação durante a aprendizagem, através de metodologias mais apelativas para os alunos, como sejam os vídeos, blogues e elaboração de relatórios, podem constituir uma forma de irem ao encontro do saber mais abrangente dos alunos, da tal Matemática para a cidadania, para a vida. Não podemos é ter a presunção de que todos os alunos sabem fazer vídeos e blogues, sem serem ensinados; que tudo quanto tem a ver com tecnologia é inato, nos alunos de hoje. Não é bem assim: uma coisa é mexer no telemóvel, outra coisa é dominar ferramentas e submeter-se a uma avaliação com a parte tecnológica é determinante.
Também se fala que a avaliação pode acontecer sob a forma de relatórios, é bom pensar em todas as alturas em que os professores ensinaram os alunos a fazerem relatórios, até existem guiões para a produção e elaboração de relatórios. Alguém alguma vez fez um guião para a realização do teste, ou ensinou os alunos a fazerem especificamente o teste? A diversificação dos instrumentos é bem-vinda, mas não podemos pedir aquilo que não ensinamos a fazer e ainda que apliquem os conhecimentos que serão alvo de avaliação.
Outra questão que parece um entrave óbvio ao sucesso desta ‘Nova Matemática’ é a não-alteração da avaliação final e do acesso ao seguinte ciclo de estudos, para aqueles que querem prosseguir. Falo dos exames nacionais e do acesso ao ensino superior. Esta nova proposta do ponto de vista da avaliação parece perder-se no final, indo desembocar no exame nacional e nas centésimas do acesso ao superior. Como é que um aluno habituado a ser avaliado por outros instrumentos, vai ser avaliado e de forma decisiva por um outro instrumento tão diferente? Enquanto não houver coragem para mudar esta parte final do secundário e de início de outro ciclo, não existirá produção de mudança no paradigma do ensino e da aprendizagem a Matemática.
Confúcio dizia que “sem uma linguagem comum não se podem concluir os negócios”. O que pensam os professores de Matemática sobre terem que avaliar os conhecimentos através de vídeos, blogues e relatórios? Como vai ser feito este negócio com os professores? Ou seja, acreditam os professores neste tipo de avaliação? Que tipo de pensamento avaliativo desenvolve um professor de Matemática ao longo de sua carreira e em determinado momento muda para um outro tipo de sistema completamente diferente? Na Matemática em que 1+1 é igual a 2, que critérios de preto ou branco vão ser aplicados aos novos instrumentos de avaliação propostos?
Como em qualquer mudança que se quer bem conseguida, o decreto que a aprova é o menos importante. A preparação dos seus protagonistas e intervenientes, quer seja a nível da execução prática, quer do ponto de vista da motivação para a mudança é de maior importância.
Sabemos que à partida qualquer mudança requer esforço e investimento e habitualmente são mal recebidas. Até que se consiga a fase da aceitação da mudança já muito trabalho houve. Depois é necessário saber reorganizar, mobilizar e motivar para as acções necessárias. É a partir da fase da aceitação que existe a energia necessária para investir na tal mudança desejada. A aquisição da linguagem comum entre os proponentes do novo programa e os professores no terreno é indispensável para que esta ‘Matemática para a cidadania’ consiga ser uma realidade. Além de mudar os programas de Matemática, precisamos de mudar a forma de pensar dos professores de Matemática?