Cientistas celebram vitória: a extinta arara-azul voltou ao seu habitat natural no Brasil

Declarada extinta em estado selvagem, a arara-azul volta agora a voar no Brasil. Foram libertadas oito aves desta espécie rara no estado da Bahia e serão libertadas mais 12 até ao final do ano.

Foto
Foram libertadas oito araras-azuis no seu habitat natural, na cidade de Curaçá (Brasil) Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados

É muito provável que este animal não lhe seja estranho. As personagens principais no filme de animação Rio (2011), Blu e Jewel, são precisamente duas araras-azuis que nos levam numa aventura pelo Rio de Janeiro. Agora, da ficção à realidade, as araras-azuis estão de regresso ao Brasil. Pela primeira vez, em mais de 20 anos, oito araras-azuis foram libertadas no seu habitat natural na cidade brasileira de Curaçá – onde a última arara-azul selvagem tinha morrido em 2000.

A arara-azul, uma espécie de papagaio, é uma das aves mais raras do mundo – e regressa agora à natureza na caatinga, uma floresta tropical no nordeste brasileiro que cobre quase 10% do país. É uma região única em todo o mundo, que abarca uma dezena de estados brasileiros e com condições únicas no mundo, devido às condições de biodiversidade e à vegetação branca e cinza na maioria do ano.

Uma das zonas da cidade de Curaçá que pertence à caatinga aloja agora oito novos habitantes. A libertação destas oito aves é o resultado do Plano de Acção da Arara-azul, estabelecido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade no Brasil (ICMBio), que queria aumentar a população cativa deste animal e, depois, reintroduzir a arara-azul no seu habitat natural – ambos os objectivos estão agora cumpridos.

Descoberta há mais de 200 anos, pelo naturalista alemão Johann Baptist von Spix (daí o seu nome em inglês ser Spix’s macaw), desde os anos 1980 que a arara-azul tem sido ameaçada. Além de ser um alvo para caçadores e coleccionadores devido ao azul brilhante das suas penas, a destruição do habitat natural e o comércio ilegal fomentaram a diminuição da população em estado selvagem.

Em 1987, já restavam apenas três araras-azuis em estado selvagem, até que dois caçadores mataram dois deles no final desse ano. A última destas aves vivas era um macho e houve tentativas de acasalamento quer com araras-azuis em cativeiro, quer com outras fêmeas de diferentes espécies, sem resultados até 2000 – quando também o último destes três papagaios morreu. A história da última arara-azul macho em estado selvagem deu origem ao filme Rio, que estreou em 2011, e em que uma das personagens também era precisamente o último desta espécie na natureza.

Em 2019, a União Internacional para a Conservação da Natureza declarava a extinção da arara-azul em estado selvagem.

Da Alemanha para a floresta brasileira

Desde os anos 1990 que existiram comissões no Brasil com especialistas em conservação da natureza para criar programas de reintrodução desta espécie na região de caatinga – mas nenhuma com sucesso. Depois da morte da última arara-azul, em 2000, e sabendo que existiam mais espécimes em cativeiro, o ICMBio criou o Plano de Acção da Arara-azul através do qual, há dez anos, conseguiram reunir todas as populações legais de araras-azuis em Berlim (Alemanha), onde se encontra a Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados (ACTP, na sigla em inglês).

“A população de araras-azuis em cativeiro era apenas de 5% em território nacional [no Brasil] e 89% estava na ACTP. Havia interesse mútuo para repatriar as araras-azuis para o Brasil e reintroduzi-las no seu habitat natural”, explica Marcos Venâncio, um dos responsáveis do ICMBio.

Ao longo deste milénio, a população de araras-azuis passou de 55 para 261 espécimes saudáveis – todos em cativeiro. Antes de serem agrupados em Berlim em 2012 estavam espalhados entre colecções privadas no Catar, criadores alemães ou associações de conservação da natureza, como a ACTP.

Foto
Uma das araras-azuis aquando da libertação para o habitat natural Tim Flach/ACTP

Em 2018, o governo brasileiro assinou um acordo com organizações internacionais para criar duas unidades de conservação e um centro de protecção em Curaçá, no estado da Bahia. Nesse acordo incluía-se o repatriamento de 50 araras-azuis para estas unidades. No ano seguinte, a ACTP e o ICMBio assinaram um novo acordo para a conservação, a garantia de protecção da espécie e a devolução à natureza: o Projecto de Libertação da Arara-azul.

Dois anos depois do acordo, em março de 2020, 52 araras-azuis atravessaram o oceano Atlântico, de Berlim para Curaçá, onde têm estado a ser preparados para regressarem à natureza. Os oito primeiros já foram libertados e ainda este ano mais 12 araras-azuis seguirão o caminho em direcção ao seu habitat natural. “Depois de tantos anos de esforço neste projecto, estamos finalmente na fase em que devolvemos a voz das araras-azuis à caatinga”, diz Cromwell Purchase, director da ACTP no Brasil.

Neste processo de mais de 20 anos sem araras-azuis nas redondezas da cidade brasileira de Curaçá, também a música alimentou a esperança do regresso destas aves à natureza, como “Brincadeira de Araras”, de Fernando Ferreira (ou Fernandinho), habitante local, que cantava: “Volta ararinha-azul. Onde foste tu? Onde foi voar? Te espero a cada manhã”. A espera acabou agora, com estas oito araras-azuis a voarem no seu habitat natural.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários