“Variedade gigantesca” num “país tão pequeno” surpreende brasileiros

Chegou ao fim a 9ª edição do Vinhos de Portugal no Brasil, na qual 80 produtores apostaram no regresso ao presencial após a pandemia e o público brasileiro compareceu em força.

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A 9ª edição da Vinhos de Portugal no Brasil, em São Paulo Ana Patrícia
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Copo de vinho
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No enorme ecrã do cinema do shopping Cidade Jardim, em São Paulo, transformado em sala de provas de vinho, aparece a imagem do enólogo português Pedro Baptista junto à vinha velha alentejana cujas uvas dão o Tapada do Chaves. Daí a pouco, outra imagem, esta da vinha do Caêdo, propriedade da Sogrape, no Douro, uma vinha belíssima e sobrevivente que dá o vinho Legado.

A prova de Legado e Tapada do Chaves, apresentada na sexta-feira pela sommelier argentino-brasileira Cecília Aldaz, e tendo como convidados o enólogo do Legado, Luís Sottomayor, e Pedro Baptista, estava esgotada e era a mais aguardada da 9º edição do Vinhos de Portugal no Brasil, que terminou sábado, depois de três dias no Rio de Janeiro (de 3 a 5) e de outros três em São Paulo (de 9 a 11).

Falou-se sobre “a arte de fazer vinhos inesquecíveis” a partir de vinhas velhas, “namoradas durante 120 anos por pessoas que foram por elas apaixonadas” e cujas uvas estão neste momento confiadas a estes dois homens, responsáveis por alguns dos melhores vinhos de Portugal (numa edição anterior do Vinhos de Portugal, os dois já tinham estado juntos numa prova de Barca Velha, assinado por Sottomayor, e Pêra Manca, de Luís Baptista).

Falou-se muito – e durante todo o evento – não só das fascinantes vinhas velhas como da mistura de castas na vinha (o field blend), a recuperação de castas esquecidas, a arte do blend e outras particularidades que fazem dos vinhos portugueses um mundo de fascínio para o público brasileiro.

“O que me desperta a atenção no vinho português é existir uma variedade tão gigantesca num país relativamente pequeno”, dizia o jornalista e apresentador de um dos mais populares programas televisivos das manhãs, o Bom Dia São Paulo, Rodrigo Bocardi, que participou numa das conversas informais no espaço do evento dedicado a talk-shows com personalidades brasileiras. “A minha referência é o Brasil, que tem uma extensão territorial gigantesca, sem a particularidade, a profundidade, a produção do vinho que tem Portugal. É incrível o que Portugal consegue fazer com essa riqueza. Isso chama a atenção e leva você a tentar eliminar o desconhecido e a ir em busca do conhecimento”, explicava Bocardi.

Numa outra prova, esta dirigida pelo Master of Wine brasileiro Dirceu Vianna Junior, sobre “vinhos raros e seus mistérios”, Luís Sottomayor esteve também presente para dar mais um exemplo dessa riqueza e mostrar alguns dos caminhos que estão a abrir-se. Para falar de “outros vinhos com história e sentimentos” para além do Barca Velha e do Legado, o enólogo da Sogrape trouxe ao Brasil um produto novo, o Castas Escondidas.

“É o resultado de um desafio que foi lançado à enologia para tentar produzir vinho com um perfil diferente do tradicional da Casa Ferreirinha”, resumiu o enólogo ao PÚBLICO. “A ideia que surgiu foi ir buscar castas diferentes que, não sendo piores, foram um bocadinho esquecidas nos últimos anos. No Douro existem mais de 100 variedades e todas podem ser utilizadas.” São castas como a Touriga Fêmea, a Tinta Francisca, a Tinta da Barca, o Tinto Cão, o Bastardo, que existem nas vinhas velhas e também em pequenas parcelas onde foram preservadas. Explorar o seu potencial, em blends ou em monovarietais, é agora um dos caminhos possíveis.

A assistir à prova estava uma espectadora muito especial, Miriam Beatriz, mãe de Dirceu Vianna Júnior, que estava a ver pela primeira vez uma apresentação feita pelo filho. “Fiquei emocionada”, confessa. “Eu sei do tanto que ele se esforça, o tanto que ele trabalhou e investiu no seu estudo [para Master of Wine], aperfeiçoando-se cada dia mais. Cada vez que tem uma prova, um trabalho, ele não vem simplesmente fazer, ele se prepara uma semana, duas, pesquisa. É perfeccionista.”

Passando pelo Salão de Degustação, onde perto de 80 produtores portugueses apresentam os seus vinhos, Miriam Beatriz deixou-se fascinar por vários, mas houve um em particular que lhe chamou a atenção. “Provei um que achei delicioso demais e a moça me deu uma garrafa. Essa vou levar com todo o carinho para o Paraná”, diz, não escondendo a satisfação por ter conseguido algo que andava há algum tempo a tentar: identificar um aroma num vinho. “Eu disse, parece que tem pimenta. Nunca antes tinha sentido isso”, declara, orgulhosa.

Houve palco também para algumas das questões que estão na ordem do dia no Brasil. Uma das mais prementes – a do racismo – foi trazida pela sommelier Silvana Aluá, criadora da Confraria das Pretas, um espaço aberto a todos os negros e negras que queiram saber mais sobre vinho e que precisem de um lugar onde possam “partilhar dores e alegrias”. Isto porque, explicou Silvana depois do seu talk-show, muitas vezes, apenas pela cor da pele, são olhados com desconfiança quando entram numa garrafeira para comprar um vinho, são encaminhados para os vinhos mais baratos e sentem-se intimidados, o que os afasta deste universo.

O objectivo do evento é precisamente chegar a públicos diferentes, aos que já são conhecedores e que por vezes fazem perguntas mais técnicas e os que estão a dar os primeiros passos no mundo do vinho. O jornalista Ricardo Bocardi, por exemplo, saiu do seu talk-show centrado no vinho do Porto com informações novas. “Nunca tinha parado para pensar qual a diferença entre um Tawny e um Vintage. Achava que a densidade maior num vinho do Porto tinha a ver apenas com o número de anos que aparece no rótulo”, confessa.

Já a chef brasileira Bella Masano, do restaurante Amadeus, que participou também em algumas dessas conversas informais em torno de um copo de vinho, tem uma relação muito mais próxima com o vinho do Porto porque, enquanto Bocardi tem origens italianas (como acontece com uma grande parte da população de São Paulo), Bella tem ligações familiares a Portugal. “Tenho uma avó de origem portuguesa e o meu pai fez um vinho do Porto para os netos. Quis resgatar a ideia de dar uma barrica de vinho do Porto para a criança ao nascer, tamanho é o nosso encantamento com esse mundo.”

Parte desse vinho já foi engarrafado, parte está ainda a envelhecer na barrica, mas as crianças ainda são pequenas e só vão recebê-lo quando crescerem. “A gente imagina abrir algumas garrafas antes de eles completarem 18 anos. São muitas, acho que eles não vão se incomodar, mas as outras ficam para que que eles possam um dia brindar juntos.”

Também Bella destaca o muito que há a explorar no mundo do vinho português. “Para mim está muito claro que nos próximos anos a gente vai colher muitas novidades. É incrível entender para onde estão olhando esses enólogos, o que mais se pode fazer nesse Douro, que mais a gente vai esperar desse Dão, desse Alentejo. É muito bonito ver essa construção, conseguir captar um pouco da essência desse trabalho que vem sendo feito. Essa enormidade de castas autóctones faz a gente enveredar por outros universos incríveis de serem explorados.” Por isso, conclui, já na despedida, esta “é uma noite de encantamentos”.

O Vinhos de Portugal no Brasil, evento organizado pelos jornais PÚBLICO, de Portugal, O Globo e Valor Económico, do Brasil, em parceria com a ViniPortugal e curadoria da Out of Paper, promete voltar no próximo ano com mais histórias do vinho português.

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