As novas estrelas dos concertos no Rock in Rio? Os intérpretes de Língua Gestual Portuguesa

A Hands Voice vai interpretar as músicas em língua gestual portuguesa. Em dois palcos, junto às colunas, a comunidade surda poderá viver a música através do ritmo, vibração, letras e espectáculo.

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“Queremos garantir que se proporcionam cada vez mais espectáculos acessíveis e inclusivos”, diz a Santa Casa da Misericórdia, responsável pela iniciativa LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O Rock in Rio vai contar com concertos com interpretação em Língua Gestual Portuguesa (LGP), algo nunca antes feito em festivais de música em Portugal.

O convite partiu da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que desafiou a Hands Voice. A empresa, criada em 2013, oferece serviços de interpretação em LGP em diferentes contextos. Um destes é a cultura, particularmente a música.

Quem o diz é Sandra Faria, co-fundadora da empresa, que explica que um dos principais clientes é a RTP. “Dentro da RTP, começámos a fazer as músicas nos programas de entretenimento. E depois, em 2018, quando a Eurovisão foi organizada em Portugal, desafiámos a RTP a tornar o festival acessível a Língua Gestual Portuguesa”.

Aí “começou a jornada na área da música”, conta ao PÚBLICO, alegremente. Na altura, a interpretação foi feita online, através da RTP acessibilidades.

Passados quatro anos, chegou a vez do Rock in Rio. Ao longo dos dias 18, 19, 25 e 26, no Palco Mundo e no Galp Music Valley, a comunidade surda vai sentir-se ainda mais parte do festival que vai acolher nomes como Muse, The National, Duran Duran, Anitta, Deejay Kamala e Mundo Segundo & Sam The Kid.

“Vamos estar do início ao fim, em todas as actuações, e vamos trabalhar em pares. Aquilo que o Rock In Rio está a fazer é criar uma plataforma colada ao palco, no nível inferior, do lado esquerdo”, explica Sandra Faria. “Os surdos vão ficar numa zona mesmo em frente às colunas, para sentirem as vibrações. E os intérpretes ficam à sua frente e em frente ao palco.”

A intérprete de LGP explica que as pessoas surdas “apreciam a música pelo seu ritmo, vibração, letras e espectáculo”. “Por isso, ainda que não a possam ouvir, conseguem senti-la. Daí que uma iniciativa desta natureza e dimensão seja tão importante”, acredita.

O trabalho da Hands Voice começa muito antes do festival. “Já preparamos isto há semanas. Estamos a contactar artistas para nos enviarem os alinhamentos para podermos trabalhar as letras”, diz. O próximo passo é fazer a tradução das letras de inglês (ou em qualquer outra língua) para língua gestual portuguesa. Depois, segue-se estudar o ritmo da música e a parte instrumental.

No fundo, “é trabalhar as músicas”, resume Sandra Farias, que acrescenta que, no momento, os intérpretes vão “sentido a vibe”. “Teremos que seguir também os momentos de improviso. Teremos que dizer que são momentos instrumentais, que estão a tocar guitarras… Vamos ter que dar o máximo de informação que conseguirmos, mesmo até quando os artistas falarem”.

Esta será “a primeira vez que isto vai acontecer em Portugal, num festival completo”, conta Sandra Faria. No entanto, na última edição do Rock in Rio no Brasil, foi feita a primeira experiência de interpretação dos concertos em língua gestual, que acabou por ser bem-sucedida.

Nos próximos nove dias, até ao início do festival que vai ocupar o Parque da Bela Vista, em Lisboa, a equipa de seis pessoas da Hands Voice estará totalmente empenhada em preparar a interpretação das actuações. A duração do trabalho é relativa, dependendo de factores como a literalidade de cada canção. No entanto, este é “um marco que assinala que o sector da música e eventos começa finalmente a olhar para a comunidade surda como um público-alvo”.

Para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, responsável por esta parceria, “desde o primeiro momento, o foco esteve no desenvolvimento de condições de acessibilidade”. “Queremos garantir que se proporcionam cada vez mais espectáculos acessíveis e inclusivos, atingindo todos os públicos que frequentam estes eventos musicais”, diz a instituição.

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