Qual é hoje o retrato da pandemia de covid-19?

Os números de infeções são elevados, e o vírus continua entre nós. Mas infeção não é sinónimo de doença grave. Essa é a diferença crucial entre março de 2020 e maio de 2022 e que é necessário ter presente.

Confrontados que fomos com o aparecimento do vírus SARS-CoV-2, responsável pela pandemia de covid-19, tornou-se urgente limitar o seu impacto na saúde e na vida de todos nós. As vacinas chegaram no final de 2020 com efeitos positivos absolutamente extraordinários, colocando-nos no caminho certo para a saída da pandemia de covid-19. Qual é, então, a situação no momento presente?

A grande quantidade de números que nos chegam através dos principais meios de comunicação pode gerar confusão e incerteza. Têm surgido novas variantes e mutações do vírus e, ao longo dos últimos dois anos, ele tornou-se mais transmissível, atingindo níveis de incidência de infeção realmente elevados. Foram já identificadas cinco variantes principais ao longo destes dois anos e três meses de pandemia, Alfa, Beta, Gama, Delta e Ómicron, cada uma das quais com diversas sublinhagens. O que isso significa é que, em cada momento, o vírus mais bem adaptado vai sendo selecionado, num processo de evolução contínuo. Este processo não para, o que pode parecer assustador, e até certo ponto é, mas é isso que todos os vírus respiratórios fazem, incluindo os vírus sazonais, com que frequentemente contactamos. Desta forma, é legítimo esperarmos que novas variantes ou linhagens surjam e que continuem a ocorrer infeções com SARS-CoV-2, mas sem que isso se traduza, na maioria dos casos, em doença grave, que necessite de cuidados hospitalares.

A disponibilização das primeiras vacinas em dezembro de 2020 foi acompanhada de um enorme otimismo. Duas doses de vacina conferiam elevada proteção contra doença grave, e mesmo contra a infeção. Contudo, as variantes Delta e, mais recentemente, Ómicron, são capazes de contornar alguns dos anticorpos gerados pela vacina, os quais, nas outras variantes, conseguiam frequentemente bloquear a infeção. No entanto, não é apenas de anticorpos que o nosso sistema imunitário depende para nos proteger. A nossa imunidade celular, as chamadas “células T”, desempenham um papel absolutamente fulcral no controlo da infeção, impedindo o desenvolvimento das formas mais graves da doença. E a imunidade celular, felizmente, continua a funcionar com grande eficácia, mesmo perante as novas variantes do vírus, e sobretudo após uma terceira dose da vacina.

Então, as vacinas protegem-nos? É compreensível que algumas pessoas fiquem confusas. Os números de infeções são elevados, e o vírus continua entre nós. Mas infeção não é sinónimo de doença grave. Essa é a diferença crucial entre março de 2020 e maio de 2022 e que é necessário ter presente.

Basta recordarmo-nos das duas primeiras ondas pandémicas, antes das vacinas (2020), lembrando-nos das elevadas taxas de internamentos em unidades de cuidados intensivos (UCI) e de mortalidade (médias a sete dias a 1 de fevereiro de 2021: 11.886 novas infeções e 291 óbitos) que então se observaram, e compará-las com os números relativamente reduzidos de internamentos e óbitos que agora se observam, apesar do elevado número de infeções (médias a sete dias a 31 de maio de 2022: 24.886 novas infeções e 33 óbitos).

Na verdade, o excesso de mortalidade atualmente observado está em níveis considerados normais, sendo que cerca de 80% dos óbitos por covid-19 acontecem na faixa etária acima dos 80 anos. Este último ponto é importante. Existem grupos dentro da sociedade cujo sistema imunitário é menos robusto que o dos restantes. É o caso de, por exemplo, os idosos, que, embora consigam montar uma resposta imunitária, ela é mais fraca do que a gerada pela generalidade das pessoas com um sistema imunitário mais robusto.

A solução é fornecer a esta população mais vulnerável com um segundo reforço vacinal, capaz de robustecer a sua resposta imunitária e aumentar a sua proteção contra as formas mais graves da doença. Assim, será importante manter a vigilância ativa da proteção destas populações mais vulneráveis e adotar medidas, tal como o reforço da vacinação, sempre que necessário. Os benefícios de uma quarta dose para os mais idosos são claros, e estão amplamente demonstrados na literatura científica. E todos nós podemos contribuir para a proteção destas pessoas, evitando transmitir-lhes quaisquer vírus respiratórios, sobretudo se tivermos sintomas de doença.

Como todos os vírus respiratórios, o SARS-CoV-2 vai continuar a circular, mas devemos e podemos confiar no nosso sistema imunitário para lidar com ele. Infelizmente, continuarão a ocorrer hospitalizações e mortes por covid-19, tal como acontece para outros vírus respiratórios. O SARS-CoV-2 é, e continuará a ser, patogénico. É aí que a monitorização do excesso de mortalidade em cada momento desempenhará um papel fundamental.

Chegados a este momento, podemos dizer com segurança que o impacto da covid-19 nas nossas vidas é, graças às vacinas, muito menor do que seria na ausência destas. E, sendo certo que o vírus não vai desaparecer por completo, as vacinas constituem a nossa melhor arma para nos protegermos das consequências mais graves do SARS-CoV-2. Também podemos confiar que a ciência continuará a trabalhar para produzir vacinas cada vez mais eficazes, e sempre seguras, que continuarão a garantir a nossa proteção coletiva, e sobretudo a dos mais vulneráveis.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 3 comentários