Morreu Pinto Monteiro, o procurador-geral da República que não gostava de ser a rainha de Inglaterra

Magistrado tinha 80 anos. A sua alegada proximidade com o ex-primeiro-ministro José Sócrates valeu-lhe muitas críticas.

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Pinto Monteiro Miguel Manso

Morreu esta quarta-feira, aos 80 anos, o antigo procurador-geral da República Fernando Pinto Monteiro, que ocupou o cargo entre 2006 e 2012. A forma como encarava o exercício das suas funções ficou patente numa frase que proferiu numa entrevista: “O procurador-geral da República tem os poderes da rainha de Inglaterra”. Ou seja, poucos.

Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, este beirão foi procurador e também juiz. De entre os vários cargos que ocupou além do de principal dirigente do Ministério Público destaca-se a presidência do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. Também exerceu funções de alto comissário adjunto na Alta Autoridade Contra a Corrupção, tendo ainda sido secretário-geral da Associação Sindical de Juízes Portugueses.

A sua alegada proximidade com José Sócrates valeu-lhe muitas críticas. O facto de ter almoçado com o ex-primeiro-ministro poucos dias antes da sua detenção, a 22 de Novembro de 2014, levantou suspeitas sobre se o real motivo deste encontro não teria sido avisá-lo do que ia acontecer. Pinto Monteiro negou-o, assegurando ter-se tratado de um almoço “inocente” que viria a transformar-se numa “coincidência complicada”.

“Nunca o engenheiro José Sócrates me perguntou nada sobre justiça. Falámos de livros, das viagens dele, falou do Lula da Silva”, garantiu. Mais tarde, em 2015, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público António Ventinhas acusá-lo-ia de ter impedido investigações a figuras públicas poderosas.

Num livro editado pela mesma organização, outro dirigente do sindicato dos procuradores, João Palma, havia de lhe tecer críticas tão ou mais ferozes. “Viviam-se tempos muito conturbados decorrentes da política de ostensiva hostilização e despudorada tentativa de manipulação das magistraturas e do poder judicial pelo Governo de Sócrates”, escreveu. “O mandato de Pinto Monteiro constituiu, seguramente, o período mais negro da história do Ministério Público democrático.”

Uma das polémicas que marcaram o mandato de Pinto Monteiro relaciona-se com a destruição de transcrições de conversas entre José Sócrates e Armando Vara obtidas através de escutas das autoridades. Por indicação do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, que considerou irrelevantes e nulas estas escutas, o procurador-geral da República procedeu à eliminação das transcrições. Mas não se limitou a rasurar ou eliminar passagens dessas conversas: as folhas do processo foram retalhadas à tesoura nos sítios onde estavam registados os diálogos entre Sócrates e Vara.

A forma como lidou o caso Freeport, no qual também foi envolvido o ex-primeiro-ministro, foi igualmente alvo de acesa controvérsia. Pinto Monteiro disse tratar-se de um “processo inventado” e lamentou o facto de não ter conseguido “despolitizar o Ministério Público” durante o seu mandato. “Quando tomei posse o Freeport estava parado. Porquê? Porque o engenheiro Sócrates tinha ganho as eleições. Pararam! A investigação paradinha!”, havia de se queixar mais tarde, sublinhando tratar-se de um dos processos mais caros da justiça portuguesa até à data. “Investigaram tudo, a Judiciária colaborou, investigaram as contas todas do senhor. Não apuraram nada.”

Chegou a suspeitar estar sob escuta quando exercia o cargo de procurador-geral da República: “Tenho um telefone que às vezes faz uns barulhos esquisitos.” Nunca houve provas disso, mas o facto não seria inédito: em meados dos anos 90 um predecessor seu, Cunha Rodrigues, tinha encontrado escutas instaladas no seu gabinete.

Quando o agraciou com Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, em 2013, Cavaco Silva - que o nomeou por proposta do Governo de Sócrates - sublinhou a sua “notável carreira dedicada à magistratura”, bem como o seu exercício de funções “num tempo particularmente delicado da justiça portuguesa”. Esta quarta-feira o Presidente da República enviou uma nota de condolências à família. Ao final do dia a ministra da Justiça manifestou o seu pesar pelo falecimento, à semelhança da actual procuradora-geral da República e do Conselho Superior do Ministério Público.

Este magistrado para quem a delação premiada não passava de uma “monstruosidade jurídica” nasceu numa aldeia do concelho de Almeida, Porto de Ovelha, no dia de Páscoa, quando a procissão ia a passar à porta da casa de família. Mas só ali viveu até aos quatro anos, tendo depois rumado ao Sabugal para fazer a escola primária e daí até à Guarda, onde frequentou o liceu. Sempre manteve ligações às terras raianas que o viram nascer.

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