The Ameriguns: há um arsenal no interior de muitas casas norte-americanas

Nos Estados Unidos da América, existem mais armas em mãos de civis do que habitantes. “Isto não é uma coincidência”, refere o fotógrafo italiano Gabriele Galimberti, autor de The Ameriguns, que dedicou vários anos ao retrato de mais de 50 orgulhosos donos de verdadeiros arsenais. O fotolivro terá nova edição para breve.

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Gabriele Galimberti
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Gabriele Galimberti

Nos Estados Unidos da América, existem mais armas de fogo em posse de civis, utilizadas para fins não militares, do que o número total de pessoas que lá vive. Se cada homem, mulher e criança tivesse uma arma, ainda sobrariam 67 milhões por distribuir. “Isto não é uma coincidência”, evidencia o fotógrafo Gabriele Galimberti, na introdução do fotolivro The Ameriguns, que tem segunda e nova edição programada para breve, pela Dewi Lewis. Há 120,5 armas por cada 100 habitantes, no país. Em 2017, a população americana, que corresponde a 4% da população mundial, detinha 46% dos 857 milhões que compõem o total de armas de fogo em mãos civis existentes em todo o mundo.

Dados de 2016 sobre as mortes por arma de fogo nos Estados Unidos. Imagem do interior do fotolivro The Ameriguns
Dados sobre a quantidade de armas de fogo nas mãos de civis nos Estados Unidos e noutros países. Imagem do interior do fotolivro The Ameriguns
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Dados de 2016 sobre as mortes por arma de fogo nos Estados Unidos. Imagem do interior do fotolivro The Ameriguns

Entre 1968 e 2017, 1,5 milhões de norte-americanos perderam a vida devido ao uso civil de armas — e esse é um número que supera todas as perdas militares desde a guerra da Independência, em 1775. Apenas em 2020, 45 mil cidadãos norte-americanos morreram com balas cravadas no corpo — em consequência de homicídio ou suicídio. Foi um ano recordista, desde que há registo. Em 2015, esse número foi 25% inferior e, em 2010, 43% mais baixo —, nenhum dos números aqui apresentados incluem as armas utilizadas por polícias ou forças militares.

Se não é uma coincidência que sejam os Estados Unidos a viver esta realidade, e não outro país do mundo, o que poderá estar na base desta aparente obsessão colectiva por armas de fogo? “Também não se trata, aqui, de uma questão comercial”, opina o italiano que fotografou mais de 50 donos de armas de fogo em 35 estados norte-americanos —​ “de Nova Iorque a Honolulu” —​ ao longo de mais de dois anos, entre 2018 e 2021. No cerne desta realidade, acredita, existe “uma questão de tradição” que tem por base uma garantia constitucional que surgiu em 1771, a famosa Segunda Emenda, que dita o seguinte: “Sendo uma milícia bem regulamentada necessária para a segurança de um estado livre, o direito do povo de manter e portar armas não deve ser violado.” Duzentos e cinquenta anos depois, observa Galimberti, “a Segunda Emenda continua entranhada em todos os aspectos do modo de vida americano”.

A odisseia do italiano começou no Kansas, em 2018, quando o fotógrafo toscano entrou pela primeira vez numa loja de armas. Em conversa com um dos clientes, percebeu que esse tinha mais de 60 armas em casa. Duas horas depois, o fotógrafo estava na casa desse homem e tinha diante de si o seu arsenal privado. “Seria normal?”, perguntava-se. Descobriu que era, pelo menos, comum. Foi depois desse primeiro retrato do homem acompanhado das suas armas de fogo que contactou a National Geographic para a realização de um projecto sobre os arsenais privados dos norte-americanos; a proposta foi aceite, com a condição de Galimberti cobrir uma parte significativa do território, não apenas o Kansas, o Texas ou Montana, aqueles que já tinha visitado até então e onde seria esperado que encontrasse mais armas.

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Inicialmente, o modus operandi passava por visitar lojas de armas e por tentar convencer os clientes a mostrarem a sua colecção. Mas rapidamente percebeu que no Instagram, pesquisando por hashtags como #lotsofguns ou #guncollector, conseguia entrar em contacto com centenas de pessoas de cada vez e que muitas teriam interesse — ou mesmo orgulho — em exibir o seu arsenal diante de uma câmara fotográfica. Assim ganhou corpo o projecto The Ameriguns, que foi distinguido pelo World Press Photo na categoria de “Portrait Stories”, em 2021.

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Fotolivro The Ameriguns, de Gabriele Galimberti, editado pela Dewi Lewis

Galimberti apercebeu-se de uma outra realidade surpreendente, inesperada: a existência de influencers de armas. “Descobri que a indústria de armas não pode anunciar nas redes sociais e que, por isso, utiliza os influencers para publicitar produtos”, explicou em entrevista à Remote Daily, em Novembro de 2021. Entre os retratados, está uma influencer cuja conta de Instagram é dedicada ao fitness, à comida saudável e às armas. “Corre todos os dias, mas sempre com uma arma.”

Gabriele Galimberti, que se dedica a projectos fotográficos, em todo o mundo, que estão relacionados com os objectos e pertences das pessoas, é um confesso aficionado dos Estados Unidos da América, país que visitou mais de 40 vezes ao longo de 25 anos. “É claro que sei que o país tem um problema com armas”, admite. “Mas não me cabe a mim julgar as pessoas que fotografo.”

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