Tempos modernos

Os tempos modernos são esgotantes e devemos repensar a nossa convivência social, o nosso método produtivo e as nossas relações laborais. Em suma, devemos repensar toda a nossa sociedade. Por uma vez, paremos todos e pensemos no que queremos para os tempos futuros.

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Foi recentemente disponibilizado um estudo onde se concluiu que um quarto dos trabalhadores portugueses apresentava sintomas de burnout. O número de casos aumentou exponencialmente nas últimas décadas e, nos anos mais recentes, atingiu valores nunca antes vistos. Ainda que se possa argumentar que o número de casos advém de uma maior consciência do problema e redobrada atenção para sintomas, isso de pouco serve para descortinar a origem do problema – apenas mostra que a sociedade está mais sensibilizada para tal. A história dos problemas da nossa sociedade é, sem surpresas, coincidente com a história do nosso contrato social. O burnout, assim como outras doenças psicológicas, são uma consequência dos tempos modernos em vivemos.

Podemos afirmar que hoje temos, indubitavelmente, melhores condições do que as gerações passadas. Contudo, o preço desta melhoria das condições de vida é a perda de condições de vida. Aparenta ser uma contradição óbvia, mas, infelizmente, não o é. Graças ao ritmo exponencial da inovação e do crescimento, temos, hoje, generalizadas na sociedade, soluções que satisfazem os requisitos básicos da nossa vida. Possuímos acesso a meios de informação e comunicação, que, para além de aumentarem a nossa produtividade, permitem-nos ter contacto com múltiplas realidades. Qual a contrapartida? Entre muitas destacam-se o aumento exponencial da velocidade da nossa vida e a necessidade de estarmos constantemente ligados em rede, sendo sempre produtivos. Caso fôssemos máquinas, isto seria um problema simples – bastaria um update e reiniciar o sistema para nos adaptarmos. Todavia, como humanos, apenas sentimos que estamos presos numa fábrica infernal em perpétuo movimento acelerado. E esta tendência tem-se agravado nas últimas décadas.

Devemos reflectir, urgentemente, sobre o que considero ser um dos maiores embustes do século, que é a base dos tempos modernos – o mito de que temos de estar continuamente a crescer e a melhorar substancialmente as nossas condições, por forma a estarmos satisfeitos. É da natureza do ser humano a não-satisfação e a procura constante por algo melhor. Contudo, este ritmo alucinante não é natural, como se demonstra pelo incremento de doenças, físicas e psicológicas. Esta ideia do “crescimento infinito” foi-nos imposta e sempre veiculada pela classe que mais beneficiava desta exploração encapotada. Se no séc. XIX, os que a tentavam cimentar encontraram oposição de sindicatos e trabalhadores, nos anos 80, aquando da revolução conservadora, utilizaram uma nova táctica: criar uma sociedade disfuncional, alienada da realidade, com cada membro à margem da comunidade. Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra britânica, resumiu bem esta tentativa quando afirmou “there is no such thing as society”. A citação é, claramente contranatura, mas evidencia o objectivo – destruir qualquer ganho por parte dos trabalhadores, através da união da comunidade. A partir desta altura foi cada um por si, com um poder negocial muito menor.

Qual o resultado desta mudança do status quo que vigorava até à chamada revolução conservadora? O acelerar dos tempos modernos, caracterizados por um aumento da desigualdade, reversão de políticas sociais e incremento de doenças, como o burnout. Esta análise, ainda que debatível, não é determinística nem é irreversível. Não advogo a retoma a um estado de natureza, nem sequer uma ruptura por completo com a sociedade actual – deixo essas ideias para os teóricos jacobinos. Creio, sim, que devemos rever o contrato social, que sustenta a societas, porque este encontra-se, claramente, datado. Esta procura incessante de melhorar a nossa condição está a deixar-nos exaustos e no limite, para além de levar o nosso planeta ao desastre. Como dizia Jorge Palma, “somos todos escravos do que precisamos, reduz às necessidades se queres passar bem”.

Se não quisermos entrar numa espiral crescente de loucura, devemos agir agora. No mínimo, temos de mitigar vários dos problemas do nosso contrato social, nas suas múltiplas frentes. Porque não diminuir o número de horas de trabalho, permitindo uma maior conciliação entre vida profissional e pessoal e aumentar os índices de satisfação? Porque não aumentar o número de postos em teletrabalho, diminuindo o consumo de combustíveis fósseis e o número de horas perdidas em deslocações? Porque não contratar psicólogos para centros de saúde, de modo a que a rede de apoio se alargue a camadas da sociedade que estão neste momento excluídas?

Os tempos modernos são esgotantes e devemos repensar a nossa convivência social, o nosso método produtivo e as nossas relações laborais. Em suma, devemos repensar toda a nossa sociedade. Por uma vez, paremos todos e pensemos no que queremos para os tempos futuros.

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