A predilecção de Fernando Santos por William Carvalho

Quando está muito mal, o médio corre o risco de não ser chamado. Quando está só assim-assim, dificilmente é preterido. Quando está bem é, por maioria de razão, um dos “cativos”.

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William a jogar pela selecção Reuters/Lee Smith

William Carvalho tem sido, nos últimos anos, dos jogadores menos consensuais da selecção nacional. Uns apontam-lhe um perfil defensivo pachorrento e pouco digno de um médio defensivo, outros – como o seleccionador Fernando Santos – reconhecem-lhe valências no transporte de bola e no critério. Hoje, como noutras alturas, são estes últimos que estão por cima, mas William já mostrou, pelos piores motivos, que rapidamente pode reverter o cenário.

O médio de 30 anos foi apontado como um dos melhores em campo no triunfo categórico frente à Suíça, novamente na posição que Fernando Santos descobriu para ele: a de n. º8 – ou box-to-box, na gíria futebolística mais moderna.

Depois de se destacar como um médio-defensivo posicional, William foi visto pelo seleccionador como um jogador para outros pelouros. “O William tem coisas que só ele tem. Eu tenho a minha perspectiva sobre o William. Acho que não temos em Portugal ninguém com as características dele. É um jogador com muita polivalência (…) pode jogar a 6, 8 ou 10”, explicou Santos, quando convocou o médio para o último Europeu.

Na altura, William não estava bem, mas mesmo assim mereceu a confiança: “É uma excepção aos métodos de avaliação, porque não tem tido uma utilização regular. Mas eu conheço a qualidade do jogador. Não tem jogado no clube por uma questão de opção. Há jogadores que jogam mais com um treinador do que com outro. Pode trazer-nos coisas importantes. Numa convocatória de 26, pareceu-me que podia continuar a apostar no William”.

Neste momento, para a Liga das Nações, como já tinha feito noutros, Fernando Santos mostrou que William é dos imprescindíveis. Quando está muito mal, o médio corre risco de não ser chamado. Quando está só assim-assim, dificilmente é preterido. Quando está bem é, por maioria de razão, um dos “cativos”.

William está de volta à predilecção de Fernando Santos. E há motivos para que assim seja.

Saiu do ocaso

Em 2019/20, com apenas 11 jogos a titular, e em 2020/21, com 14, William viveu temporadas duras no Betis e perdeu boa parte do capital que tinha conquistado na selecção, no Sporting e até mesmo no primeiro ano em Sevilha.

Mas o médio tornou-se, em 2021/22, um jogador-chave para Manuel Pellegrini – o mesmo que confiou pouco no português para o “onze” na época anterior.

E o técnico argentino, sem o dizer textualmente, sugeriu que se tratou de falta de empenho e consistência de William no trabalho diário. “Houve bastantes ‘confrontos’ nestes dois anos. Penso que tem uma capacidade de rendimento muito alta, mas não o via com a exigência máxima. Convenceu-se de que não chega jogar dez ou 20 minutos. O importante é estar concentrado não apenas no jogo, mas também no trabalho físico e no compromisso. Vamos ver o que acontece em relação à sua continuidade”, detalhou em Abril, em declarações à Cadena Ser.

E William conseguiu, em Sevilha, a jogar num duo de meio-campo, provar alguns dos predicados que Fernando Santos mais aprecia no médio.

Cruzando dados dos sites FBREF e Who Scored, William pode não ser o jogador mais efectivo defensivamente (mal posicionado em rankings de intercepções ou recuperações de bola), mas é, na Liga espanhola, o 11.º médio com maior distância percorrida em condução de bola e o décimo com maior distância progressiva em direcção à baliza adversária.

É também o segundo médio com mais sucesso em dribles por jogo (2,4) e surge bem colocado nos rankings de percentagem de acerto no passe (88%) e de passes para finalização (faz pelo menos um por jogo).

Onde encaixa na selecção?

Há cerca de duas semanas, Fernando Santos disse em entrevista jornalista António Tadeia que quer a selecção a misturar mais o ataque posicional com a profundidade e as transições, dando alguns detalhes conceptuais sobre o que pretende.

E é aí que encaixará a predilecção por William, já que o médio parece ter, em tese, valências para esses dois tipos de futebol.

Os números analisados mostram que é um jogador forte na condução e criterioso na decisão, quando o jogo pede transições, mas que também encontra soluções em ataque posicional – mostra critério com bola, mesmo arriscando bastante no drible e no passe progressivo (foi, por exemplo, o que mais passes deste tipo fez no Portugal-Suíça).

E o facto de jogadores como William, Rúben Neves ou Moutinho serem mais colectivos do que Palhinha, Renato ou Danilo indica de forma clara a alteração no padrão de jogadores escolhidos para o meio-campo nos últimos jogos.

Estando apenas em forma mediana, William geralmente tem o seu lugar no plantel da selecção. Estando bem, como tem estado, então só pode esperar o “onze” – pelo menos enquanto Fernando Santos for seleccionador nacional.

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