Uma sociedade de caixas

Temos de lutar por uma sociedade em que sejamos tratados de forma equitativa, onde o elevador social funcione, onde as pessoas tenham direito à sua autodeterminação e tenham a liberdade de não quererem estar presas a nenhuma caixa.

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Jezael Melgoza/Unsplash

Nasci a crer num mundo rosa, em que tudo era perfeito, em que o género, a orientação sexual, a opção religiosa ou política não iria interferir na forma como seria tratada e como os outros ao meu redor seriam tratados.

Posso dizer que cresci num meio privilegiado, mas, apesar disso, desde de cedo comecei a ver que o mundo cor-de-rosa que tanto queria que existisse nada mais era do que um mundo cinzento.

Onde as pessoas estão divididas pelas suas características ou pelas suas opções para a vida, onde todos encaixamos numa caixinha e nela temos de estar, podemos até espreitar para fora, mas não é fácil livrarmo-nos de determinado rótulo.

É certo que o ser humano precisa de viver em comunidade e é mais fácil viver numa comunidade que nos aceita e nos é semelhante do que numa comunidade que nada nos diz.

Cada vez que olho para uma criança penso que ela é o futuro, que é uma peça fundamental para determinada coisa que vai acontecer no futuro e recuso-me a meter essa criança numa caixinha.

Recuso-me a meter seja quem for numa caixinha e a limitar a sua liberdade de acção devido às escolhas ou características pessoais que tem.

Ninguém pode escolher nascer mulher ou homem, mas as mulheres ganham menos do que os homens em cargos idênticos. E porquê?

Ninguém pode escolher ser menina e gostar de jogar futebol ou de fazer outro desporto que as pessoas consideram mais masculino, quando na realidade as meninas podem fazer qualquer desporto porque é tanto para menina como para menino, mas porque é que temos de associar desporto a um género?

Ninguém pode escolher ser homossexual, mas ainda há violência e descriminação contra esta comunidade. Mas porque é que nos custa ver os outros felizes?

Ninguém pode ser julgado por ter determinada religião, mas hoje em dia ainda se excluem pessoas por isso e mata-se em nome de extremismos religiosos. Mas porquê?

Ninguém deve ser insultado ou descriminado por ser de determinado partido, porque vivemos numa sociedade livre e desde que os valores constitucionais não sejam postos em causa cada um tem o direito de votar e participar no partido que o fizer sentir mais representado.

E daí que cada pessoa tenha as suas escolhas e características. Qual o problema de vivermos numa sociedade que tem pessoas tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais?

Não consigo reconhecer problema nenhum na diferença; reconheço, sim, problema na suposta normalidade.

Essa normalidade que foi definida e ninguém sabe bem como nem porquê, essa normalidade que corta as asas a tantas pessoas que se atrevem a sonhar e a revelar o seu verdadeiro eu.

O tempo é tão curto para se viver em caixas, não podemos aceitar que a sociedade sejam caixinhas onde cada um se insere e fica restrito a essa caixa.

Temos de lutar por uma sociedade em que sejamos tratados de forma equitativa, onde o elevador social funcione, onde as pessoas tenham direito à sua autodeterminação e tenham a liberdade de não quererem estar presas a nenhuma caixa.

Quero um mundo em que uma criança volte a nascer e tenha nela todos os sonhos do mundo, que tenha asas para sonhar, ajuda para concretizar esses sonhos e que não tenha medo de rótulos e de caixas.

Uma vez Fernando Pessoa disse: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Hoje quero que toda a gente tenha a capacidade de sonhar e de concretizar sem medos e sem receios porque só assim podemos ambicionar um futuro melhor.

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