Nas ruas da cidade de Lisboa existe uma história da classe operária que é preciso recordar

A Junta de Freguesia de Marvila recordou as histórias dos movimentos associativos portugueses na luta contra o Estado e na reindivicação dos direitos dos trabalhadores.

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Junta de Freguesia de Marvila promoveu encontro sobre associação Facebook

A história do património e os lugares de memória nas ruas da capital têm sido alvo de discussão e reflexão de como certos espaços evocam acontecimentos relevantes do país e da cidade. No entanto, é evidente um processo de esquecimento na memória colectiva da sociedade desses episódios históricos, afirma Manuel de Jesus Saraiva, 67 anos, estudante do mestrado em História Moderna e Contemporânea, na Universidade de Lisboa, no seu trabalho desenvolvido no âmbito da cadeira de História, Memória e Esquecimento.

Foi a partir deste estudo realizado sobre a toponímia da Rua Fraternidade Operária, em Marvila, que Manuel Saraiva se questionou sobre a história por detrás do nome desta rua. O que descobriu foi pouco, não existindo muitos registos acerca dos movimentos operários que tiveram um papel importante na defesa dos interesses dos trabalhadores. Por essa razão, decidiu reavivar este lugar de memória, “que tem de ser conservado”, e celebrar na passada terça-feira os 150 anos da criação da Associação Fraternidade Operária, uma organização há muito desaparecida mas que teve um papel importante nos movimentos sociais e políticos do país.

Na segunda metade do século XIX, com o crescimento da industrialização, o clima no seio da classe operária era de insatisfação. Os salários eram insuficientes para fazerem face às despesas do quotidiano e faziam-se longos turnos, “que chegavam a ultrapassar as doze horas diárias”. Com a necessidade de se fazerem ouvir e de se constituírem como classe, foi criada em Janeiro de 1872, a Associação Fraternidade Operária, estabelecida na Rua das Gaivotas, na sede do Grémio Popular - uma instituição que tinha como objectivo promover a educação entre os trabalhadores. Constituíram-se então três secções da fraternidade operária: em Chelas, Marvila e no Poço do Bispo.

Influenciada pela Associação Internacional de Trabalhadores (estabelecida em Londres, em 1864), a Fraternidade Operária tinha como função a emancipação dos operários, para que estes pudessem reivindicar os seus direitos a melhores salários e a uma redução dos horários de trabalho. Uniam-se num acto de solidariedade contra o Estado. No ano da sua fundação, a associação organizou mais de 50 greves num período de 18 meses. A greve era um “meio de resistência” para esta associação de princípios socialistas.

Podia ler-se na época na revista O Pensamento Social, distribuída entre Fevereiro de 1872 e Outubro de 1873, de autoria da Fraternidade Operária, que Portugal entrava “finalmente no movimento moderno europeu, e que nós, trabalhadores portugueses podíamos também constituir-nos em classe”. A publicação do jornal desempenhou um papel importante na divulgação da luta do operariado português. Entre os colaboradores destacavam-se Antero Quental, José Fontana e Azedo Gneco. Alguns dos nomes que fundaram, a 10 de Janeiro de 1875, o Partido Socialista Português.

Relembrar as histórias da cidade lisboeta​

O nome de Fraternidade Operária foi dado a uma rua no Poço do Bispo em Março de 1916, seis anos após a implantação da República em Portugal, pela Câmara Municipal, numa zona que teve “uma influência enorme no movimento operário”. Desconhece-se, no entanto, se terá sido uma homenagem à associação ou aos vários trabalhadores que ocuparam este bairro até aos anos 80 do século XX, “da qual ainda existem memórias”, diz Manuel Saraiva.

Apesar de um curto tempo de existência de apenas dois anos, a associação permitiu enaltecer a voz da classe operária oprimida durante a revolução industrial, permitindo a sua emancipação da burguesia e afirmar-se como uma classe trabalhadora, descreve. Entretanto, a Fraternidade Operária fundiu-se com outras organizações operárias e passou a funcionar como dependência da Internacional Operária.

Para homenagear a luta da classe operária e os 150 anos da fundação da associação, foi realizado um encontro no Salão Nobre da Junta de Freguesia de Marvila, que contou com a participação de Maria Alexandre Lousada, professora na área de História na Faculdade de Letras e do Centro de Estudos Geográficos, na Universidade de Lisboa, Margarida Reis e Silva, doutoranda em História e investigadora do Centro de História da Faculdade de Letras de Lisboa e João Santana da Silva, licenciado em História e mestre em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, actualmente a concluir um doutoramento em História no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e a moderação de Manuel de Jesus Saraiva.

Texto editado por Ana Fernandes

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