E quando os miúdos nos respondem torto? O melhor, às vezes, pode ser fingir não ouvir

Não é bom para ninguém deixar a exaustão guiar a nossa parentalidade, principalmente se vamos guardando ressentimentos.

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@designer.sandraf

Ana,

Mais um mistério da natureza: ficamos furiosos quando alguém fala com os nossos filhos e netos de forma mais brusca, agressiva ou mesmo malcriada, mas muitas vezes, vezes demais, permitimos que se dirijam a nós num tom que renderia queixa na esquadra da polícia em qualquer outra circunstância.

E não, não é porque aprenderam connosco. Essa não pega! Porque não falamos assim com ninguém, muito menos com eles.

Então porque é que o toleramos, e todos já o tolerámos, mesmo que surjam mil e quinhentos comentários online a jurar que nunca admitiram tal coisa às suas crianças e adolescentes. Será que estamos demasiado cansados para ripostar, temos medo de abrir o dique da zanga acumulada que nos provocam e que a coisa dê para o torto, receamos aliená-los, que partam com a trouxa às costas e não voltem?

Costumas ter sempre um ângulo diferente para analisar estes fenómenos, por isso se souberes, explica-me.


Querida Mãe,

Acho que temos uma tolerância maior, quanto mais novos forem. Acolhemos com bastante paciência, e até algum sentido de humor, as birras e rosnadelas até aos 2/3 anos. Aos 4, eles ganham mais vocabulário e mais capacidade de “responder”, o que nos tira mais rapidamente do sério. A partir dos 7, começamos a irritar-nos mesmo muito, e até nos surpreendemos (assustamos) com a intensidade da fúria que sentimos em relação aos nossos próprios filhos. Na adolescência, olhamos e vemos um quase homem/ quase mulher e, à mínima provocação, ficamos desesperados, temos medo, como a mãe diz, que se “transformem”, e catastrofizamos, imaginando os piores cenários, como se aquele momento fosse decisivo para todo o seu futuro.

A minha teoria sobre porque é que isto acontece? Bem, há muitas razões que se misturam. Quando são pequenos, aceitamos com relativa facilidade que ainda não têm a capacidade de se controlar. Ainda assim, é extraordinária a dose de tolerância que temos para com os nossos filhos exatamente porque são nossos filhos — ou seja, temos-lhes um amor gigante, mas também um enorme sentido de responsabilidade. E educar implica estes dois ingredientes. Por outro lado, é claro que o cansaço nos pode levar a aceitar uma resposta torta, para não entrar em conflito.

Mas, mãe (sei que não vai concordar comigo), acredito mesmo que a estratégia de “deixar passar” determinado tom ou resposta torta é válida e útil desde que seja usada conscientemente. Não é bom para ninguém deixar a exaustão guiar a nossa parentalidade, principalmente se vamos guardando ressentimentos, mas quando percebemos que há guerras que não valem a pena, quando compreendemos que aquele tom nasce do cansaço (deles), da ansiedade ou até da fome, podemos (se formos capazes) não entrar no loop. A nossa autoridade não fica posta em causa se formos capazes de, calmamente, dizer qualquer coisa como “Não precisas de falar assim porque eu estou a ouvir”, mas ignorando o tom.

O dia tem muitas horas, podemos deixar a conversa para mais tarde. Porque a verdade é que se transformarmos cada resposta torta num braço de ferro, ninguém vai ficar a ganhar, e a vida transforma-se num inferno. Por isso, sim, mãe, vamos ter mais compaixão uns pelos outros, e por nós próprios sobretudo. E puxar pela memória, com sinceridade — não respondemos também tantas vezes assim com a idade deles. E passou, não passou? Porque seguimos o vosso exemplo.

Por isso, sossegue, garanto-lhe que não é por isso que se vão transformar em trogloditas.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

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