No centenário de Gonçalo Ribeiro Telles

A melhor homenagem que podia ser feita a Gonçalo Ribeiro Telles seria dar continuidade às suas políticas e mais força às suas utopias da paisagem global.

Gonçalo Ribeiro Telles deixou-nos há dois anos e no passado dia 25 de Maio comemorou-se o centenário do seu nascimento. Associaram-se a essa comemoração, além da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, a Câmara Municipal de Lisboa, a Fundação Calouste Gulbenkian e o Centro Nacional de Cultura; estranhou-se que da Presidência da República não tenha vindo qualquer palavra…

Quando há oitenta anos o Prof. Francisco Caldeira Cabral lançou a mensagem da “arte de ordenar o espaço exterior em relação ao homem” estava não só a criar uma profissão em Portugal como a lançar uma ideia inovadora para olhar para o território tornado paisagem. Dos primeiros ilustres profissionais que obtiveram aquela formação, com o tempo destacou-se Gonçalo Ribeiro Telles, que se tornou uma figura nacional.

Com a sua formação e captando o pensamento ecologista e ambientalista que circulava no mundo, ele construiu em Portugal a política de Ambiente e de Qualidade de Vida (designação que escolheu para o seu cargo de ministro de Estado - o que é significativo).

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Gonçalo Ribeiro Telles: 1922-2020 DR

A política de Ambiente assenta em dois pilares fundamentais: a Conservação da Natureza (CN) (em sentido lato); e o Ordenamento do Território (OT) - o ordenamento biofísico, não um qualquer arremedo de ordenamento político-económico. E com isso criou a legislação fundacional: RAN, REN, PDM, PROT, Rede Nacional de Áreas Protegidas (AP). Esta política e a gestão integrada do sector agroflorestal foram os obstáculos ao avanço dos mercados desregulados, aos grupos da agro-indústria, ao crescimento exponencial da indústria da celulose – que hoje fala despudoradamente na “biodiversidade das suas florestas sustentáveis”…

Eram, por isso, dois alvos a abater - e foram: o sector agroflorestal foi desmembrado logo com a extinção criminosa dos Serviços Florestais (SF), perdendo-se a capacidade de gestão e defesa do território de matas e matos (nós não temos florestas), o surgimento calamitoso dos grandes fogos florestais e o desperdício de milhões e milhões de euros para o combate, quando seria muito mais justo e eficiente recompor a estrutura dos SF. E o Ambiente foi desarticulado, a CN voltou para as “florestas” como era há 50 anos atrás, as AP estão num caos e o OT saiu para um ministério de gestão política. Que melhor podia acontecer a um país europeu, quando por toda a Europa são as ideologias ambientalistas que alcançam o poder? Atrasados por cá, como sempre… E isto quando se comemora o centenário do nascimento de Ribeiro Telles.

A melhor homenagem que podia ser feita a Gonçalo Ribeiro Telles seria dar continuidade às suas políticas e mais força às suas utopias da paisagem global, do jardim do paraíso e da cidade e o campo como espaços integrados.

Se ele, que viveu desiludido os seus últimos anos, ainda estivesse entre nós estaria triste e muito, muito zangado.

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