O Benfica, o andebol e o milagre escrito em várias línguas

Foi com uma mistura de talento nacional e estrangeiro que o Benfica chegou a um feito improvável, que foi a conquista da Liga Europeia. Clubes portugueses podem repetir a proeza? Só mantendo ou reforçando o investimento.

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Kukic (com a bola) é um dos jogadores mais cotados do Benfica LUSA/TIAGO PETINGA

16 jogadores na ficha de jogo, cinco deles portugueses e só dois desses cinco com real impacto no triunfo do Benfica na final da Liga europeia, a segunda prova mais relevante do andebol europeu de clubes. Mais: desses dois jogadores, Alexis Borges e Bélone Moreira, só o segundo nasceu em Portugal.

Estes factos sobre a final deste domingo, em que o Benfica bateu os alemães do Magdeburgo, não são apenas dados sobre a ficha de jogo, nem sequer sobre a predilecção do Benfica para talento estrangeiro nesta temporada.

Estes dados são mais do que isso, porque adensam a tese de que o andebol português está a saber colher frutos de não ter pudor em abrir-se ao estrangeiro – e a premissa serve para os clubes, cada vez mais competitivos na Europa (FC Porto e Sporting também têm tido resultados relevantes, sobretudo os “dragões” na Champions), mas também para a selecção nacional, com resultados mais fulgurantes nos últimos anos, coincidentes com o êxodo da nata portuguesa para o estrangeiro.

Afinal, qual é o segredo? E qual é o peso das “mãos estrangeiras” em tudo isto?

Começou com cubanos no FC Porto

Hugo Valente, treinador que tem feito parte da equipa técnica da Artística de Avanca na I divisão, traça ao PÚBLICO uma das teorias. E aponta precisamente a esse talento extra vindo de fora.

“Isto começa no FC Porto heptacampeão [2009-2015] do Ljubomir Obradovic, porque é quando começam a vir os atletas cubanos”, destaca. E explica o que mudou na prática: “Esses jogadores cubanos destacam-se também pelo físico e isso permitiu misturar esse lado deles com o nosso talento inato. Os nossos jogadores conseguiram potenciar-se com os cubanos, até porque o nosso campeonato não é dos melhores”.

E detalha: “É uma Liga jogada a três ou quatro equipas. O FC Porto não perde com ninguém a não ser Benfica e Sporting. O Benfica com Sporting e FC Porto. E o Sporting com FC Porto e Benfica. É preciso nivelar o campeonato mais por cima e o talento estrangeiro pode sempre ajudar – mas não só, é preciso mais do que isso”.

Nesta final da Liga europeia, o Benfica, que curiosamente nem conseguiu ser campeão nacional, teve um internacional sueco, Jonas Kallman, três vezes campeão da Europa e do mundo de clubes – e dos jogadores com palmarés mais rico que alguma vez actuaram em Portugal.

Teve ainda outro campeão da Champions, Rogério Moraes. Ou dois internacionais sérvios, como Lazar Kukic e Petar Djordjic. Também lá esteve Demis Grigoras, internacional romeno e, sobretudo, jogador com passado na Liga francesa. Ou até Ole Rahmel, alemão com carreira no poderoso Kiel, bem como os internacionais Sergey Hernández, por Espanha, e Luciano Silva, pelo Brasil. Ou mesmo Alexis Borges, cubano que já tem nacionalidade portuguesa.

Em suma, trata-se de um lote alargado de talento nascido além-fronteiras, mas não só: é, em muitos casos, talento de primeiro nível europeu. E o técnico da Artística adverte, portanto, que não se trata apenas de contratar lá fora, mas de contratar bem: “Estamos a contratar melhor. O Magdeburgo, por exemplo, tem dos melhores da Holanda ou da Dinamarca. E nós estamos a fazer o mesmo. O Rogério Moraes é um jogador de nível europeu. O próprio Kallman, numa fase já diferente da carreira, dá muita qualidade nos momentos decisivos”.

“Não vêm para aqui perder dinheiro”

Questionado sobre a probabilidade de um título deste tipo se repetir em breve, Hugo Valente foi claro: “Depende do investimento, mas é muito, muito difícil. As pessoas têm de ter noção do que está em causa nesta conquista. É histórico. Vencer esta prova é muito difícil. Diria que é tão ou mais difícil do que um clube português vencer a Champions no futebol”.

O próprio treinador do Benfica já tinha veiculado uma ideia semelhante quando usou mais do que uma vez a palavra “milagre”. “Foi um final perfeito e um grande trabalho. Lutámos muito e a equipa esteve sempre unida. Foi um milagre atrás de milagre, o golo do empate no último segundo... foi um milagre. Vencemos uma das melhores equipas do mundo da actualidade”, disparou, após a partida. E Paulo Moreno, um dos campeões, assinou a tese: “Sabemos que tudo o que fizemos foi histórico (...) era o jogo das nossas vidas”.

Se vencer esta prova é uma missão assim tão hercúlea e se o diagnóstico aponta para a qualidade do jogador estrangeiro e a forma como se misturou com o talento nacional, potenciando-o, então a conclusão é evidente: resta alocar mais dinheiro ao andebol?

“Claro. Reforço que uma repetição disto vai depender do investimento. Repare: estes jogadores não vêm para cá porque gostam da cor vermelha, azul ou verde. Não vêm para aqui perder dinheiro. O Ole Rahmel, por exemplo, veio do Kiel e terá certamente um salário condizente com isso. Claro que Benfica, FC Porto e Sporting são grandes clubes europeus e isso é sempre um chamamento, mas o dinheiro será sempre muito importante para atrair este tipo de jogador”.

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