Geração Alpha Female

Chamam-nos tomboy ou maria-rapaz. Na verdade, tanto faz porque todas as denominações salientam o mesmo: uma rapariga que não se comporta como rapariga, que tem atitudes pouco femininas, o que quer que isso signifique, que não é como as outras. Chamam-nos estas coisas e outras tantas, à Joana e a mim, mas ao crescer fomos percebendo que a tal maria-rapaz é, afinal, uma Alpha Female bem normal.

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Ontem fui beber uma cervejinha com a Joana. Na verdade, eu bebi um suminho de laranja sem gelo com palhinha de papel, enquanto a Jo, que conheço há mais de dez anos, bebia a sua “jola” pela garrafa. Sempre adorei ver mulheres a beber “jola” pela garrafa. Gesto simples que, aparentemente, pouco esconde, mas que num olhar mais pausado demonstra uma série de outros traços de forte personalidade e comportamentos pouco mainstream.

Primeiro porque as mulheres não gostam de cerveja, faz barriga, como sempre nos ensinou a publicidade. Depois porque as mulheres preferem beber em copos bonitos com palhinha, não é? É e não é, ou seja, depende. Para a Joana, a quem muitos chamariam tomboy ou maria-rapaz, há várias coisas que não são by the book, muito menos by the movie de Hollywood ou cartilha da catequese. Tal como nunca foram para mim nem para a maioria das mulheres à minha volta na idade adulta, em que são os interesses que escolhem os amigos, mais do que as circunstâncias da vida.

Ao crescer, a Joana era das poucas miúdas que arriscava as rampas do skate park, apesar de ir com patins em linha. Como eu era das poucas que jogava à bola, não por gostar de jogar à bola mas por não gostar de ficar no banco a falar sobre cabelos esticados, calças apertadas ou rapazes giros, apesar de saber perfeitamente quem eles eram. Preferia mexer-me a ficar ali na cusquice do grupo, um grupo com o qual não me identificava. As conversas, os conjuntinhos demasiado perfeitos, os corpos delicados, tudo a contrastar com um espírito rebelde que o meu cabelo ondulado e pernas musculadas já mostravam desde cedo.

Chamam-nos tomboy ou maria-rapaz. Na verdade, tanto faz porque todas as denominações salientam o mesmo: uma rapariga que não se comporta como rapariga, que tem atitudes pouco femininas, o que quer que isso signifique, que não é como as outras. Pelo menos não como o que é suposto ser-se numa sociedade como a nossa, onde o homem tem (todo) o poder. Chamam-nos estas coisas e outras tantas, à Joana e a mim, mas ao crescer fomos percebendo que a tal maria-rapaz é, afinal, uma Alpha Female bem normal.

Se nunca ouviram falar de Alpha Female, mulher alfa, é comum porque não se fala muito do tema por aí, pelo menos não tanto quanto se devia. A palavra alfa vem do latim e é “normalmente usada como adjectivo para indicar a primeiro ou a ocorrência mais significativa, como o macho alfa, a estrela alfa de uma constelação ou a versão alfa de um programa”. Interessa-nos aqui o ângulo do mundo animal que somos nós, mesmo que o mais polido.

Alfa designa o líder de um grupo, o mais forte, o que tem mais estatuto, levando de imediato para o universo masculino. No entanto, e com o aprofundar dos conhecimentos da biologia e o evoluir da sociedade, o termo alfa começou também a ser utilizado para falar de mulheres. Homens e mulheres alfa têm traços semelhantes como confiança, liderança, assertividade. A maior diferença é como o demonstram, ora através de competição, ora através de colaboração.

É o colaboration over competition que se sente cada vez mais quando mulheres se juntam com para fazerem coisas incríveis, por vezes até de cariz tradicionalmente masculino. Voltemos à Jo. Quis a vida que a maria-rapaz se tornasse numa mulher alfa poderosa. Os patins em linha foram substituídos por todas as outras tábuas possíveis e imaginarias, do surf ao skate passando pelo snowboard, até que mais recentemente percebeu que não estava sozinha nisto.

Tal como ela, há muitas outras mulheres por este mundo fora que têm estes traços de independência e liderança, e que dominam estes desportos dominados por homens, sem no entanto perderem o seu lado feminino. Pelo contrário, fazem-no de uma forma bem especial e feminina. Pegando a onda internacional (pensem em colectivos como o GRLSWIRL), a Jo criou a KOOL SCTY, apoiada por outras mulheres e homens com o mesmo mindset, para mostrarem ao mundo que se pode ser bad ass no feminino, ao mesmo tempo que se mantém o cool em cima das tábuas.

E estas mulheres não têm geração. Têm um comportamento, um momentum, o coração na boca e poucas papas na língua. A geração Alpha Female veio para ficar: pensem em todas as miúdas que são como nós éramos há 20 anos, e quem não a quer ver, olha, temos pena. Peçam mais uma cervejinha em copo fino que isso passa.

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