Censura: Margaret Atwood leiloa A História de Uma Serva à prova de fogo

Livro emblemático ganha edição especial para combater a queima de livros e a proibição de livros nas escolas e bibliotecas.

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Margaret Atwood no Porto em Abril deste ano, quando recebeu o doutoramento honoris causa da Universidade do Porto Paulo Pimenta

Num curto vídeo lançado na segunda-feira, o rosto de Margaret Atwood está iluminado apenas pelo fogo azul e roxo que emana de um lança-chamas que ela segura. O seu alvo é o seu próprio romance, o fenómeno cultural distópico A História de Uma Serva. Mas o livro parece não se incendiar quando o fogo atinge a capa. Pelo contrário, as chamas roçam os extremos das páginas sem que nada fique danificado.

O livro é à prova de fogo.

O vídeo, de aproximadamente um minuto, publicita um leilão especial da Sotheby’s: uma cópia única não inflamável do best-seller que a crítica diz ter-se tornado perturbadamente mais relevante nas décadas passadas sobre a sua publicação. Todos os lucros vão para a PEN America, uma organização sem fins lucrativos que se foca na liberdade de expressão através da literatura.

O leilão, cuja existência foi inicialmente noticiada pela agência de notícias Associated Press, é uma resposta directa ao número cada vez maior de proibições de livros em escolas e bibliotecas, e mesmo queimas de livros, disse a editora de Atwood, a Penguin Random House, no site da iniciativa, unburnablebook.com.

O livro é “uma edição de A História de Uma Serva feita não só para sobreviver a censores inflamados e preconceituosos incensados, mas também para resistir a chamas verdadeiras - aquelas que usariam para destruir pelo fogo a nossa democracia”, disse Faith Salie, jornalista e comediante que serviu de anfitriã à gala da PEN que decorreu na segunda-feira à noite e onde foi anunciado o leilão. A base de licitação é de 35 mil dólares.

O romance de Atwood, publicado pela primeira vez em 1985, tem sido banido de escolas ao longo de mais de três décadas. A lista dos 100 livros mais banidos da Associação de Bibliotecas Americanas inclui O Conto de Uma Serva nos seus catálogos das décadas de 1990, 2000 e 2010.

A história decorre numa versão dos Estados Unidos em que um grupo religioso fundamentalista derrubou a democracia, assassinou o Presidente e a maior parte dos membros do Congresso e retirou às mulheres quase todos os seus direitos, nomeadamente o de ler. Nesta sociedade patriarcal, as mulheres são relegadas ao papel de esposas subservientes ou, no caso de serem ateias férteis, tornam-se escravas da classe religiosa superior com o único propósito de dar filhos ao homem da casa. O livro foi adaptado para televisão em 2017 e Atwood publicou uma sequela, Os Testamentos, em 2019, que recebeu o Prémio Booker.

O romance tornou-se central na cultura nos últimos anos. A imagética do filme passou a ser invocada quando os legisladores conservadores começaram a visar os direitos reprodutivos em nova legislação e aumentaram a censura sobre o que é ensinado nas escolas. Mais recentemente, mulheres que vestiam as famosas capas vermelhas e capuzes brancos da série, usadas pelas servas no livro, protestaram contra o esboço da decisão do Supremo Tribunal dos EUA que visa anular o efeito de defesa constitucional do caso Roe v. Wade.

A edição à prova de fogo do livro é feita de materiais que aguentam temperaturas superiores a 660 graus Celsius e foi cosida à mão com fio de níquel, diz a editora. A Gas Company, empresa especializada em encadernação e impressão, demorou dos meses a fazer esta edição. “Foi desenhada para proteger esta história vital e ser um símbolo potente contra a censura”, diz o site do livro.

O leilão, que decorre online, abriu segunda-feira à noite e acaba a 7 de Junho. O livro estará exposto na sede da Sotheby’s em Nova Iorque entre 4 e 7 de Junho. “Licitem agora”, encorajou Salientaras-te na gala. “Não queremos desiludir a Margaret - já vimos como ela brande um lança-chamas.”

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