O problema já não é a má cobertura das redes, mas a falta de competências digitais dos portugueses

Em cinco anos, o número de infoexcluídos em Portugal passou de 25% para 16% da população e o objectivo é reduzir essa percentagem para os 10%. A cobertura do 4G já chega a 99,9% das zonas povoadas do país e a banda larga rápida a 87%.

Foto
O Governo tem o objectivo de dar formação na área digital a um milhão de portugueses até 2023 Duarte Drago

Portugal é neste momento um país a várias velocidades no que toca à sua própria digitalização. Mais do que as lacunas nas infra-estruturas de comunicações, grande parte do problema está nas reduzidas capacitações digitais de quase metade da população portuguesa.

Para já, o Governo tem o objectivo de dar formação na área digital a um milhão de portugueses até 2023. Para conseguir esse objectivo, foi lançado, em Julho de 2021, um programa de formação com recurso a mentores e voluntários de todo o país. O “Eu Sou Digital” está dirigido para adultos que nunca utilizaram a internet, criando acções dedicadas à aprendizagem digital.

Em entrevista ao PÚBLICO, o presidente-executivo do “Eu Sou Digital”, Alexandre Nilo Fonseca, diz que o programa surge num país que, “olhando para a média europeia, compara muito bem no que toca à qualidade da infra-estrutura de comunicação e oferta de serviços públicos digitais, mas não pontua tão bem no que toca à infoexclusão, apesar de mais de 85% dos portugueses utilizar hoje a internet”.

A pandemia veio acelerar o processo: “estamos a crescer na utilização de homebanking e das compras online e os portugueses começaram a comprar online também em lojas portuguesas”. É neste contexto que quem não sabe utilizar a internet “está numa situação muito complexa”.

Nos últimos cinco anos, o número de portugueses que nunca utilizou a internet tem vindo a cair a pique: situa-se agora nos 16%, mas o “objectivo é chegar a uma percentagem em torno dos 10%” no médio prazo. Para o país atingir esses números, Alexandre Fonseca recomenda a que quem tenha interesse em aprender conheça através do número de telefone 800 210 397 as várias acções promovidas nos cerca de 100 centros por todo o país.

Segundo Alexandre Nilo Fonseca, “uma parte dos infoexcluídos está entre as mulheres acima dos 65 anos e nos iletrados funcionais que nunca aprenderam a ler e escrever”. E engane-se quem pensa que só nas aldeias há pessoas que não sabem utilizar os meios digitais, porque “são muitos os casos de pessoas que, morando em cidades com excelentes infra-estruturas de comunicação, não as sabem utilizar”.

O próprio Plano de Recuperação e Resiliência atribui ao pilar da transição digital o valor de 3,7 mil milhões de euros para financiar projectos por parte de organismos públicos, mas também de empresas privadas. São quatro os objectivos-chave deste investimento: formação de alunos por meio da educação nas escolas; formar para as competências digitais e promoção da literacia digital; digitalizar o sector empresarial e fazer o mesmo com os serviços públicos.

É certo que a necessária digitalização da economia ajuda à competitividade das empresas no mercado europeu. Um dos exemplos de um país que acelerou o crescimento económico graças à centralidade que assumiu o digital é a Estónia. Em cerca de duas décadas, a Estónia conseguiu ultrapassar Portugal o PIB per capita português. Como? Logo em 2000 foi definido o objectivo de ter computadores em todas as salas de aula do país e foi dada formação digital a uma parte da população adulta. Foi também simplificada uma série de procedimentos da administração pública, lançada a possibilidade de criar empresas online e, em 2014, foi lançado o estatuto de e-residente, que, entretanto, também já existe em Portugal. No fundo, foi possível a empresários de todo o mundo utilizarem este estatuto de residente digital para gerir a sua empresa à distância, operando para o gigante mercado europeu a partir deste país báltico de pouco mais de 1,3 milhões de habitantes.

É também esse caminho de aposta na digitalização que vai sendo seguido por cá. A Estratégia Nacional para a Transformação Digital da Administração Pública 2021-2026 estabelece como objectivos a acessibilidade da internet, a partilha aberta de dados para promover a interoperabilidade entre sistemas da administração pública, a segurança e a confiança nos serviços públicos digitais.

4G chega a 99,9% das áreas povoadas do país

Mas parte do problema de Portugal está na cobertura desigual das redes de nova geração: se há um país cuja fibra e o 5G já são um dado adquirido, há ainda territórios cuja simples existência de rede móvel é uma realidade ainda por cumprir. Ainda assim, são cada vez mais pontuais esses casos representando hoje uma percentagem irrelevante das zonas povoadas do país. As “auto-estradas do século XXI” são essenciais na criação de emprego e na deslocalização de empresas para o interior do país.

O Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (IDES), promovido pela Comissão Europeia, mostra que em 2021 Portugal ocupa a 16ª posição europeia no que toca à digitalização da economia e sociedade com um valor ligeiramente abaixo da média europeia. A Dinamarca comanda o pelotão de países que tem na Roménia o país menos desenvolvido nos vários índices que medem o desenvolvimento digital.

Em matéria de capital humano, Portugal tem vindo a melhorar os seus números com um crescente aumento do número de especialistas nas tecnologias de informação e comunicação (TIC), representando hoje 4% da população. Ainda assim este é um valor abaixo da média europeia, que se situa nos 4,3%. No que toca aos licenciados nesta área, são apenas 2,3%, contra os 3,9% do total europeu.

O desempenho do país em termos de competências digitais básicas é também inferior à média europeia, com pouco mais de metade dos portugueses a dominarem de forma básica as TIC. Em ponto oposto, a percentagem de pessoas com competências digitais mais avançadas, que se situa nos 32%, é ligeiramente superior à média da União (31% dos europeus). Também é relevante a percentagem de 22% de mulheres especialistas em TIC, num valor superior à média dos restantes países comunitários (18%).

É ainda deixado um alerta ao país em forma de nota final: “As tendências demográficas negativas e a crescente escassez de competências colocam em evidência a urgência de investimentos na qualificação, melhoria de competências e requalificação da mão-de-obra em Portugal”.

Portugal tem a 19ª internet mais rápida do mundo

Quanto aos números da conectividade do país, a adesão à banda larga fixa com velocidade de, pelo menos, 100 Mbps deu o salto passando dos 56% de agregados familiares para os 63 % num ano, algo potenciado pela oferta comercial das várias operadoras que operam neste mercado. Este é um valor muito acima da média europeia, que em 2020 se situava nos 34%. Segundo o regulador das comunicações (ANACOM), quase 84 em cada 100 portugueses reside numa habitação com pacotes de comunicações contratados. Menos positiva é a adesão à banda larga móvel com um valor de 62% dos portugueses, inferior aos 71% da média europeia.

Dados do Speedtest Global Index referentes a Abril de 2022 mostram que Portugal tem a 19ª internet mais rápida do mundo, tanto nas redes fixas como nas móveis. Os lares ligados à rede fixa têm uma velocidade média de download de 108,39 Mbps, fixando-se o valor em 69.21 Mbps quando falamos de redes móveis (cerca de metade do valor recorde registado nos Emirados Árabes Unidos).

O relatório do IDES mostra também que mais de metade (53%) dos portugueses que não têm hoje uma ligação à internet justificam a sua opção por causa do custo de acesso, enquanto na Estónia esse valor fica-se pelos 3%. Este número não deve ser desligado do facto de, segundo o IDES, Portugal ter o segundo serviço de internet mais caro da União Europeia, só sendo ultrapassado pelo Chipre. Segundo a ANACOM, os preços das ofertas de telecomunicações subiram em Abril deste ano 3,9% em termos homólogos, um valor abaixo da inflação (que está em máximos à boleia do preço da energia).

Para tentar contornar estes dados, foi lançada neste ano a tarifa social de internet que tenta dar resposta aos agregados sociais que se encontram em condições económicas frágeis, nomeadamente aos que recebem o complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção ou prestações de desemprego. Por 6,15 euros por mês têm direito a 15GB de tráfego mensal – um valor criticado por ser baixo – a uma velocidade mínima de 20 Mbps.

Estrutura da economia portuguesa dificulta digitalização

Olhando para as empresas, Portugal ocupa o 17.º lugar entre os países da UE no que respeita à integração da tecnologia digital: 51% das empresas portuguesas declaram dispor, no mínimo, de um nível básico no que toca ao digital, sendo a média da UE de 60%. Olhando em pormenor para os dados: 16% tem redes sociais, contra 23% da média europeia, 17% utiliza facturação electrónica e 16% do volume de negócios está no digital, quando a média europeia está nos 12%. Não é de descartar o facto de a economia portuguesa ser essencialmente dominada por micro e pequenas empresas em sectores tradicionais com baixa literacia digital.

No que toca à relação com o Estado, o número de utilizadores de serviços de administração pública online aumentou para 57%, mas o valor situa-se abaixo da média da UE que está fixada nos 64%.

O relatório também deixou um alerta sobre o moroso processo da atribuição de espectro das redes móveis de 5ª geração que constituíram um entrave à implantação da tecnologia, algo que, entretanto, já foi ultrapassado com a entrada em serviço das ofertas dos principais operadores nacionais. Ainda assim Portugal foi o penúltimo país da União Europeia a lançar o 5G, pior na fotografia só ficou a Lituânia. Em 2020, já 14% das zonas povoadas da União Europeia tinham cobertura de redes móveis de 5ª geração, quando em Portugal o processo ainda estava no leilão.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários