Uma injecção de vida para os mais velhos

O que nos distingue enquanto civilização é a empatia e a solidariedade, o impulso para nos preocuparmos e cuidarmos uns dos outros.

Um dia um aluno questionou a antropóloga norte-americana Margaret Mead qual era, para ela, o primeiro vestígio de civilização humana. A antropóloga respondeu: “Um fémur com 15 mil anos encontrado numa escavação arqueológica.” Porquê? O fémur estava partido, mas tinha cicatrizado, processo que poderá ter levado seis semanas. Na natureza, um animal que parta uma perna está condenado à morte. Se for um predador não consegue caçar e se for uma presa não consegue fugir. Mas, neste caso, alguém tinha cuidado daquela pessoa. Tinha-a protegido e alimentado, não a deixando ser abandonada à sua sorte. Com esta intervenção, Mead chegou ao osso da natureza humana, ao salientar que o que nos distingue enquanto civilização é a empatia e a solidariedade, o impulso para nos preocuparmos e cuidarmos uns dos outros.

Não empatizamos com todos os seres humanos de igual forma. Os laços de sangue e amizade tendem a prevalecer nas nossas prioridades e os estereótipos que criamos também. No que à idade diz respeito, a gaveta das crianças tende a levar a melhor sobre a dos seniores. Na maioria das vezes aprecia-se mais cuidar de miúdos do que de supergraúdos, não só nas nossas relações pessoais, como também nas profissões de ajuda.

A nossa sociedade trata a velhice como uma câmara de descompressão, por onde passamos antes de descer aos abismos da morte, como diria Miguel Esteves Cardoso. Os últimos anos de vida podem ser os mais caros, dolorosos e solitários. Debruçados à janela em parapeito frágil a olhar para o mundo, os seniores sonham com uma injecção de vida que os afaste da dependência progressiva. Acresce o sentimento, tantas vezes presente, de rejeição ao serem deixados à margem dos corações onde têm raízes, somando ausências por devolver em forma de solidão. Vão assim afiando os dias seguintes agarrando-se a memórias felizes do passado (quando as há), para contrabalançar o que se desejou e não teve, o que se esperava e não veio e/ou o que se quis e perdeu.

A idade traz muitos desafios que podem prejudicar a saúde mental. Segundo dados da Ordem dos Psicólogos Portugueses, mais de 20% dos cidadãos com mais de 60 anos sofrem de problemas de saúde psicológica, como a depressão ou a demência e 9 em cada 10 sofrem de solidão. Entre os que vivem fora de ambientes de grupo, a taxa de sintomas depressivos clinicamente significativos é de 8 a 16% e de transtornos de ansiedade é de 10 a 15%. Os seniores que vivem em lares podem alcançar percentagens ainda mais elevadas. Lamentavelmente, a maioria dos adultos mais velhos com depressão e ansiedade não recebe qualquer tratamento. Os cidadãos seniores estão ainda mais vulneráveis e expostos a situações de abuso físico, psicológico, sexual ou financeiro.

Importa entender que os problemas de saúde psicológica não “fazem parte” do processo de envelhecimento e as suas consequências não são apenas psicológicas: podem dificultar a recuperação de outras doenças, contribuir para a aceleração do declínio cognitivo e piorar o estado de saúde física (problemas cardíacos, hipertensão), diminuir a qualidade de vida, aumentando o sofrimento individual/familiar, a probabilidade de institucionalização e a mortalidade precoce.

Se tudo caminhar bem na nossa vida, chegar a sénior será o nosso futuro! É lá que iremos passar e terminar os nossos dias! O envelhecimento é um processo desafiante, mas tanto individual como socialmente temos a ganhar com o aumento da longevidade. Os seniores dão contributos essenciais para a sociedade enquanto indivíduos, membros de uma família e comunidade, voluntários, cuidadores e/ou trabalhadores activos.

Então que sociedade é esta que se lembra mais dos mortos do que dos seniores? Talvez seja a nossa imagem reflectida no espelho do futuro que nos custa enxergar. Talvez porque, como canta Mafalda Veiga, “todos fogem de ti para não ver/ a imagem da solidão que irão viver/ quando forem como tu/ um velho sentado num jardim”. Talvez!

Abraham Lincoln referia que “não são os anos de vida que contam, mas sim a vida nos anos”. Por isso, um dos desejos que tenho como meu, é poder estar viva até ao momento da minha morte. Que não nos falte o impulso, a paciência e a inteireza necessárias para cuidarmos uns dos outros, não deixando ninguém para trás abandonado à sua sorte!

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