Quase 90% dos futebolistas defendem redução do número de jogos por época

Estudo conduzido pela FIFPRO conclui que há um sério impacto negativo da sobrecarga competitiva na saúde física e mental dos jogadores.

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Luka Modric disputou 24 jogos com menos de cinco dias de intervalo em 2020-21 Reuters/SUSANA VERA

Um estudo lançado pela FIFPRO, sindicato internacional de futebolistas, concluiu que 87% dos jogadores profissionais são a favor da limitação do número de jogos por temporada, para se salvaguardarem face a possíveis lesões e impactos mentais negativos. “Somos atletas, não somos máquinas”, advertem.

O inquérito, que envolveu 1055 jogadores e 92 especialistas em performance (entre médicos, investigadores e preparadores físicos), mostrou que ambos os grupos defendem a adopção de novas medidas que garantam uma duração mínima na paragem competitiva. Para além disso, pedem especial atenção para os jogos realizados com menos de cinco dias de intervalo.

Entre os inquiridos contam-se jogadores que competem nos campeonatos de Inglaterra, França, Itália e Espanha, tendo 50% revelado que as lesões que sofreram tiveram como causa uma sobrecarga competitiva. Por outro lado, 40% adiantaram que o excesso de jogos afectou a sua saúde mental, enquanto 50% se queixaram de que os compromissos das selecções encurtam cada vez mais o tempo de descanso.

“As viagens internacionais, de longa distância, colocam pressão sobre a saúde e sobre a performance de muitos jogadores, devido às súbitas mudanças provocadas por regiões com clima e fuso horário diferentes”, especificou o médio chileno Arturo Vidal, em representação dos futebolistas do continente americano. “Alguns jogadores viajaram mais de 200 mil quilómetros nas três últimas épocas. É como se dessem a volta ao mundo cinco vezes”.

Neste domínio, o calendário das selecções tem vindo a ganhar terreno face ao caderno de encargos dos clubes. Em 2018-19, as viagens motivadas pelas competições de clubes representavam 40% do total, percentagem que baixou para 34% em 2020-21. Ou seja, com a reformulação dos torneios de selecções (a introdução da Liga das Nações, por exemplo), os compromissos com as equipas nacionais traduzem-se agora em 66% das deslocações.

Geração mais castigada que a anterior

O relatório do estudo mostra também que, no final de 2020, o médio croata Luka Modric, do Real Madrid, disputou 24 jogos com menos de cinco dias de intervalo, quatro vezes mais do que o máximo recomendado. Entre Dezembro de 2020 e Fevereiro de 2021, foi o defesa central do Manchester United Harry Maguire quem fez 19 partidas com pouco tempo de recuperação.

“É importante termos noção de que as viagens que, para ser sincero, não faço nas melhores condições, acrescentam fadiga. Elas fazem o corpo pagar o preço e muitas vezes afectam o estado de espírito mesmo dos mais corajosos”, apontou o defesa senegalês Saliou Ciss, actualmente ao serviço do Nancy.

Entre as medidas sugeridas para atenuar este problema, 72% dos inquiridos consideram que o total de jogos com um curto intervalo entre si deve ser reduzido para quatro, enquanto metade defendem uma paragem obrigatória depois de três encontros nestas condições.

O estudo revelou também que os especialistas em performance consultados apoiam as críticas e queixas dos jogadores, concordando que o actual número de jogos no futebol de elite põe em risco a saúde física e mental dos atletas. E os números são elucidativos: mais de um em três jogadores, de uma amostra de 256, disputaram pelo menos 55 jogos na época imediatamente anterior à pandemia de covid-19.

Com o agravamento do calendário e as inevitáveis viagens, a actual geração de futebolistas enfrenta um desgaste muito maior do que a anterior. Basta olhar para este exercício comparativo: o internacional inglês Raheem Sterling (Manchester City), de 27 anos, competiu em pelo menos 50 partidas em sete das últimas 11 temporadas, ao passo que o galês Ryan Giggs (Manchester United) chegou aos 50 jogos em apenas seis das 24 épocas que realizou na carreira.

Qualidade do espectáculo em causa

Nos termos actuais, não são apenas os atletas que, de acordo com o estudo, sofrem as consequências de um desgaste acentuado. É também o produto (leia-se, a qualidade do jogo) e, por conseguinte, o espectador/adepto da modalidade. “Se queremos brindar os adeptos com jogos espectaculares, com um alto nível de criatividade, intensidade e virtuosismo, temos de garantir que os jogadores têm oportunidade de recuperar devidamente, a nível físico, mental e espiritual”, advoga um treinador de alta performance da Eredivisie, campeonato dos Países Baixos.

Entre os vários casos de estudo detalhados para traduzir a falta de descanso dos futebolistas de elite surgem os do espanhol Mikel Oyarzabal, do argentino Nicolas Tagliafico ou do italiano Jorginho. E os acertos de calendário provocados no final da época 2020-21, por causa do impacto da covid-19, elevaram o problema a uma dimensão alarmante, reduzindo drasticamente o período de férias dos atletas.

Neste contexto, 73% dos 256 jogadores inquiridos tiveram menos de quatro semanas de descanso entre temporadas, sendo que 23% deste universo gozaram menos de duas semanas. Entre eles está, claro, Oyarzabal. No Verão de 2021, o ala espanhol participou no Europeu, chegando às meias-finais, e de seguida rumou a Tóquio, para o torneio olímpico, no qual Espanha foi finalista. Conclusão? Entre o efectivo final da época 2020-21 e o início de 2021-22, na Real Sociedad, teve apenas seis dias de descanso.

Mesmo tratando-se de um caso extremo, este exemplo ilustra na perfeição as crescentes exigências do futebol profissional. Se, há quatro épocas, eram 55% os futebolistas com quatro ou mais semanas de férias, na temporada passada essa percentagem caiu para os 32%. Uma realidade especialmente penalizadora para os atletas dos clubes de topo, com maior longevidade nas provas europeias. Que o digam Bruno Fernandes (Manchester United), Bernardo Silva ou Rúben Dias (ambos do Manchester City), que nas três últimas épocas fizeram mais de 60 jogos por temporada.

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