Atiradores em massa são desequilibrados com acesso fácil a armas, diz especialista

Professor catedrático de Psicologia Forense da Universidade do Minho, Rui Abrunhosa Gonçalves, explica como o grau de perigo de uma pessoa descompensada para terceiros está directamente ligado à oportunidade que se cria quando há um fácil acesso a armas.

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EPA/AARON M. SPRECHER

Salvador Ramos, 18 anos, o suspeito do tiroteio numa escola primária no Sul do Texas, que causou a morte de 21 pessoas (19 crianças e duas professoras) é retratado por amigos e familiares como um adolescente problemático.

Com problemas e gaguez na infância e uma mãe toxicodependente, Salvador Ramos é descrito como alguém que sofreu bullying em criança e se foi tornando cada vez mais violento. Ao ponto de, dias após ter completado 18 anos, ter comprado as armas que depois terá usado no massacre.

Para o professor catedrático de Psicologia Forense da Universidade do Minho Rui Abrunhosa Gonçalves, ainda é preciso conhecer melhor os antecedentes deste jovem, mas o que diz a investigação “é que, quem comete este tipo de crimes, de uma forma geral são tipicamente indivíduos desequilibrados do ponto de vista mental ou com alguma perturbação já estabelecida”.

E, além dessa característica, os chamados atiradores em massa têm também uma oportunidade: “o acesso fácil a armas de fogo, que é o caso nos Estados Unidos da América”.

“E, não raro, não têm, por exemplo, um plano de fuga, como tem um assassino em série”, sublinha o mesmo especialista, acrescentando que, geralmente, ou acabam mortos pela polícia ou suicidam-se. Rui Abrunhosa Gonçalves explica ainda que a mesma falta de estratégia se aplica em relação às vitimas: “Vão ali e abatem quem aparece pela frente”.

Mas esta é “a questão do funcionamento do indivíduo”, afirma o psicólogo forense, que sublinha que, para o resultado final, além do desequilíbrio mental, contribui outra coisa: “a questão da oportunidade”. “Nós sabemos que um crime se baseia sobretudo em quatro coisas: haver uma lei, um criminoso, uma vítima e uma oportunidade”, diz.

E o que faz uma oportunidade? Para Rui Abrunhosa Gonçalves, não há dúvida que é “haver acesso a armas”. São armas com muitas munições que são altamente letais e com as quais se podem atingir várias pessoas”, sublinha, sustentando que “esta é uma questão que nos Estados Unidos não querem resolver e não têm resolvido”.

O especialista dá como exemplo um caso que aconteceu em Portugal, há uns anos, na Universidade do Minho: “Posso contar que um estudante gravemente descompensado atacou um professor com uma faca de cozinha e provocou-lhe alguns ferimentos, ainda que superficiais. Imaginemos que ele tinha um acesso fácil a armas de fogo, como nos Estados Unidos. Nem o professor ou outras pessoas que o tentassem impedir ficavam cá para contar a história.”

Rui Abrunhosa Gonçalves explica, assim, como o acesso às armas de fogo “é o grande facilitador e, ao mesmo tempo, o grande responsável por dar uma sensação de omnipotência as pessoas”.

“As pessoas entendem que podem fazer o que querem porque, com uma arma na mão, se sentem cheias de poder”, diz, sublinhando que há dois pontos comuns nos indivíduos que levam a cabo tiroteios em massa: a existência de uma patologia que pode estar mais ou menos já estabelecida e o acesso a armas. O grau de perigo de uma pessoa descompensada para terceiros, defende o mesmo especialista, está directamente relacionado com a oportunidade que se cria quando há um fácil acesso a armas.

Um estudo sobre tiroteios em massa – assassinatos de quatro pessoas ou mais em lugares públicos – do Departamento de Justiça dos EUA, que analisa dados a partir de 1966, corrobora o que defende o especialista forense da Universidade do Minho.

De acordo com este estudo, compilado pelo Violence Project, um centro dedicado a reduzir a violência na sociedade e usar dados e análises para melhorar as políticas, revela que, tipicamente, os atiradores tinham uma experiência com trauma na infância, uma crise pessoal ou mágoa específica, e exemplos que validavam os seus sentimentos ou forneciam um mapa para as suas acções. E o quarto elemento: acesso a armas de fogo. Acresce que, segundo o mesmo estudo, mais da metade de todos os atiradores na base de dados conseguiram obter as armas legalmente.

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