“Fidalguia sem comedoria é gaita que não assobia”

O mínimo que se deveria fazer seria atualizar para valores mais coincidentes com a realidade atual, mesmo que ainda não considerando a inflação imposta pela guerra no Leste europeu.

Foto
LUSA/MÁRIO CRUZ

A Comissão Europeia, no “Relatório do Pacote de Primavera do Semestre Europeu”, alertou: a pequena diferença entre o valor do salário médio e o valor do salário mínimo poderá desencorajar os portugueses a investirem na educação. E sublinhou, ainda, que “embora os recentes aumentos do salário mínimo possam reduzir a pobreza daqueles que trabalham, também podem desencorajar os indivíduos a investirem na sua educação, devido à pequena diferença relativa entre os salários dos pouco e dos altamente qualificados”.

Esta notícia surge poucos dias depois de uma resposta dada por João Costa, atual ministro da Educação, quando lhe perguntaram se um salário de 1000€ no início de carreira ou de 1400€ a meio era justo e aliciante?

A pergunta surge num momento em que a falta de professores é sistémica e uma das causas é exatamente o facto de serem mal remunerados. Obviamente que os jovens estudantes, na hora de decidirem o seu futuro e qual o curso a seguir, equacionam o aspeto remuneratório da profissão que pretendem.

No entanto, a resposta do ministro foi e cito: “Pode não ser o mais estimulante, mas quando comparamos com outras carreiras ou com a carreira de professor sem ser na escola pública não é a pior. E vai dando saltos mais rápidos do que um técnico superior com habilitações semelhantes. A carreira esteve parada muitos anos e só descongelou em 2018. Mas, neste momento, quem entra tem uma carreira à sua frente. Em 2018 tínhamos apenas 4% dos professores no topo e hoje temos 30%.”

Se relevarmos a falácia final, que indica que hoje há 30% de professores no topo, esta resposta ignora completamente a questão das remunerações como sendo uma das principais causas para a desistência de professores do ensino e o não ingresso de novos candidatos. Se a esta resposta juntarmos as conclusões do relatório de Bruxelas, temos então um problema que terá poucas hipóteses de ser resolvido, se a questão não for trazida a debate e considerada seriamente. Sem tabus.

Não me parece que o facto de a carreira ser mal remunerada possa ser excluído como uma das principais causas para que o número de estudantes inscritos em cursos superiores de Educação tenha caído cerca de 70% desde o início do século. Com efeito, esse número passou de 51.224, em 2001/2002, para 13.781, o ano passado.

É indiscutível que o fator remuneratório tem peso aquando da escolha académica. Com estes salários não há quem queira ser professor, sobretudo sabendo que em 2026 a previsão é de que o salário mínimo seja de pelo menos de 900€. Dando razão as dúvidas de Bruxelas. Então, atendendo ao pedido do Conselho Nacional de Educação, de contemplar uma verba para atrair profissionais para esta carreira, como será possível contrariar a tendência de falta de professores?

Revendo as tabelas remuneratórias. Só fazendo uma atualização nos diversos escalões, que considere o aumento real de custo de vida, é que poderemos manter o sistema a captar os melhores estudantes para a área.

Como é possível observar na seguinte tabela, os valores dos vencimentos dos professores não acompanharam o aumento do custo real de vida, enquanto outras profissões fizeram-no. Ressalvo que nesta tabela não estamos a julgar o valor das remunerações mas apenas a sua evolução, considerando o custo de vida.

Foto
DR

Perante esse facto, o mínimo que se deveria fazer seria atualizar para valores mais coincidentes com a realidade atual, mesmo que ainda não considerando a inflação imposta pela guerra no Leste europeu.

Remetendo-me à tabela anterior, que é reflexo dos dados disponíveis no Instituto Nacional de Estatística, elaborei esta, que entendo deva ser colocada em cima da mesa das negociações entre os sindicatos e o Ministério da Educação.

Foto
DR

Porque não basta vir dizer que se está preocupado com o bem-estar e depois simplesmente ignorar um dos fatores que mais contribui para a felicidade e bem-estar global, o rendimento financeiro.

Foto
Fonte : Proceedings of the National Academy of Sciences

O estudo é dos Estados Unidos da América, mas é revelador da importância que os aspetos financeiros têm no bem-estar pessoal. Querem fazer-nos acreditar que o Ubuntu será a solução para os males da falta de felicidade e empatia nas escolas, mas tenho cá para mim que até pode ser uma ferramenta útil, mas apenas como complementar e não como principal.

Não há crianças felizes se os professores não o forem. Não vale a pena enveredar pela narrativa falaciosa do superior interesse da criança quando se sabe perfeitamente que, sendo este último indissociável do professor, fica posto em causa quando se maltratam os professores!

Captar os melhores investindo e cuidando dos que cá estão. Só assim podemos reverter uma situação cada vez mais grave.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

Sugerir correcção
Ler 1 comentários