Regresso das cativações às reguladoras não era “lapso”, vão mesmo avançar

PS recusou alteração à norma da proposta de Orçamento do Estado para 2022 que vai obrigar entidades reguladoras a pedir autorização ao Governo para a realização de despesas.

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Ministro das Finanças, fernando Medina, mostrou-se insensível aos argumentos das entidades que tutela LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

A autoridade Supervisora dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) chegou a admitir que poderia tratar-se de “um lapso ou uma omissão”, e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) pediu “atempada correcção” da proposta de Orçamento do Estado para 2022. Mas a posição dos dois reguladores não demoveu o Governo e o Partido Socialista (PS), que voltam a permitir a possibilidade de cativações de verbas sobre os montantes das respectivas receitas próprias destas entidades ou ainda a sujeitá-las a autorização prévia do Governo para a celebração de contratos ou a realização de despesa.

As duas entidades supervisoras alertam para os constrangimentos que a alteração causa nas suas actividades, e ainda para o facto de se criarem dúvidas sobre a prevalência da Lei-Quadro das Entidades Reguladores, alterada em 2020 (com votos contra do PS), que diz expressamente que não podem ser abrangidas pelas cativações.

Em causa está o n.º 1 do artigo 427.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2021), que alterou o artigo 33.º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, que passou a prever que “não podem ser impostas às entidades reguladoras cativações de verbas sobre os montantes das respectivas receitas próprias ou sujeição a autorização dos membros do Governo para celebração de contratos ou realização de despesa”, tendo sido conferida a esta alteração a “natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normais legais ou convencionais, especiais ou excepcionais, em contrário”.

Em carta enviada ao presidente da Comissão de Orçamento e Finanças e em declarações ao PÚBLICO, a ASF alertou para aquilo que considera ser “um retrocesso” e “uma confusão legislativa que possa vir a ser criada".

A entidade liderada por Margarida Corrêa de Aguiar defendeu ainda que “para o integral e cabal exercício das suas relevantes funções de regulação e supervisão necessita de estar capacitada de forma a garantir a autonomia e independência da sua actuação enquanto garante da gestão sã e prudente dos operadores e da protecção dos tomadores de seguro, pessoas seguras, participantes e beneficiários e, bem assim, do bom e regular funcionamento do mercado segurador e do mercado dos fundos de pensões e da estabilidade do sistema financeiro”.

A ASF lembrou que não beneficia de quaisquer receitas provenientes do Orçamento do Estado para fazer face às respectivas despesas, considerando que o regresso das cativações implica “restrições orçamentais que dificultam e comprometem gravemente a sua missão”.

Por seu lado, a CMVM tinha alertado, em carta envida ao presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, “para a necessidade de retirar a proposta atentas as consequências particularmente gravosas que poderia ter num mercado de capitais com a dimensão do mercado português e atravessando os desafios de competitividade de todos bem conhecidos”.

O regulador do mercado de capitais considera que a alteração introduzida na proposta de OE, que será votado na generalidade esta sexta-feira, “limita a implementação de decisões, quer em cumprimento de imposições legais, quer no sentido de actualizar – modernizando – a sua actividade e de a tornar capaz de supervisionar fenómenos sofisticados e assentes, a maioria das vezes, em suportes digitais complexos, e teias de informação massiva”.

A alteração agora introduzida afecta outras entidades reguladoras, à excepção do Banco de Portugal, que beneficia de um estatuto próprio, não estando sujeito ao regime das cativações.

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