GDA quer que Governo ouça artistas antes de transpor directiva dos direitos de autor

O presidente da Gestão dos Direitos dos Artistas, Pedro Wallenstein, receia que o prazo de dois meses imposto a Portugal leve o Governo a usar como base a proposta que está no Parlamento e que, diz, “trai por completo” o espírito da directiva europeia.

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Brendan McDermid/Reuters

A Gestão dos Direitos dos Artistas (GDA) apelou esta quarta-feira ao Governo e aos deputados da Comissão Parlamentar de Cultura para que oiçam os artistas antes de transporem para Portugal a directiva europeia dos direitos de autor e direitos conexos para o Mercado Único Digital.

A GDA considera que a proposta do anterior Governo para a transposição da directiva do Mercado Único Digital (MUD) “trai por completo” o espírito da directiva europeia e por isso apela ao novo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, para que ouça os artistas e “não os exclua do mercado digital”.

Portugal está atrasado em mais de um ano na transposição da directiva com que a União Europeia pretende impor às plataformas de streaming de música e de audiovisual a obrigatoriedade de remunerarem de forma justa intérpretes e executantes. Na passada quinta-feira, a Comissão Europeia deu a Portugal e a mais nove países incumpridores um prazo-limite de dois meses para corrigirem a situação.

A GDA receia que, para cumprir o prazo, o actual Governo use a proposta do anterior executivo como base para a transposição da directiva, uma proposta que, diz, “exclui os artistas portugueses do Mercado Único Digital, impedindo-os de receberem um pagamento justo pela utilização online das suas obras”.

De acordo com a GDA, as receitas geradas online são repartidas em 60% pelas editoras, 30% pelas plataformas, como a Spotify, Deezer, Apple Music e Amazon Music, sobrando apenas 10% para os criadores dos conteúdos.

No dia 19 de Maio, Bruxelas enviou dois pareceres fundamentados a Portugal, fase inicial de um processo de infracção, por ainda não ter transposto a directiva MUD aprovada em 2019 pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia.

Essa notificação obriga agora a que o Governo e o Parlamento portugueses tenham de fazer em apenas dois meses a transposição para a ordem jurídica nacional dessa legislação europeia.

No comunicado divulgado esta quarta-feira, a entidade que gere em Portugal os direitos de propriedade intelectual de actores, bailarinos e músicos pede que a transposição da directiva garanta duas coisas: por um lado, que os artistas que hoje recebem pouco pela utilização online das suas obras passem a receber mais, de uma forma justa e proporcionada; por outro lado, que a maioria dos artistas, que nada recebem, passem a receber direitos sempre que as obras em que participam gerem receitas no online.

“Ora, o texto que o anterior Governo deixou em 2021 na Assembleia da República não garante nada disso. Pelo contrário! Trai completamente o espírito da directiva e quer perpetuar em Portugal o actual desequilíbrio em desfavor dos artistas, não só ignorando todos os contributos e propostas atempadamente apresentadas pela GDA, como até eliminando completamente do articulado a expressão ‘artistas, intérpretes ou executantes’, excluindo-os na prática do Mercado Único Digital”, afirma o presidente da GDA, Pedro Wallenstein.

Já no início de Abril, quando o Governo tomou posse, a GDA escreveu uma carta ao novo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, pedindo-lhe que a transposição da directiva MUD para a lei portuguesa respeitasse os propósitos políticos de justiça e de equidade que estiveram no espírito dos deputados e dos comissários europeus.

Se Pedro Wallenstein defende que a proposta do anterior Governo “não é uma base aceitável para fazer a transposição da directiva em Portugal”, já a Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos (Audiogest) e a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos (Gedipe) consideram a proposta do Governo “uma boa base de trabalho” e apelaram, no dia 20 de Maio (logo a seguir à notificação de Bruxelas), à conclusão, “em muito curto prazo”, da transposição da directiva europeia.

“Tendo em conta que a proposta de lei apresentada em Outubro [do ano passado] reuniu um amplo consenso entre as organizações que representam os titulares de direitos e as indústrias culturais e criativas, estão criadas todas as condições para que a directiva seja transposta de imediato, cumprindo, assim, o prazo de dois meses exigido pela Comissão Europeia”, salientou a Audiogest.

A lei europeia relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital entrou em vigor em Maio de 2019, estipulando um período de adaptação de dois anos, até Junho de 2021, para os países da UE transporem as novas regras para a legislação nacional, devendo até essa data ser adoptadas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas.

A directiva europeia foi criada para proteger a titularidade dos conteúdos de artistas, músicos, escritores e jornalistas na internet, criando regras para a utilização do seu trabalho por terceiros. Estão, assim, em causa instrumentos para a renegociação dos contratos, compensações financeiras a suportar por quem usar conteúdos sem ser para fins privados, e o controlo do material que é partilhado por utilizadores nas plataformas online.

O objectivo é que a legislação incida, principalmente, sobre as gigantes tecnológicas como Facebook, Google e YouTube, que passam a ter responsabilidades para assegurar o respeito pelos direitos de autor.

A Comissão Europeia abriu, em Julho do ano passado, processos contra Portugal e 22 outros países da UE por não terem comunicado como transpuseram a nova legislação comunitária sobre direitos de autor ou apenas o terem feito parcialmente.

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