Portugal continua a usar na fruta pesticidas que deveriam sair de circulação

As peras e as maçãs são das frutas produzidas em Portugal que apresentam maior frequência pesticidas considerados perigosos, revela um estudo da rede ambientalista PAN Europa. Regulamento prevê que estas substâncias sejam substituídas uma vez que são nocivas tanto para a saúde como para o ambiente.

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Pesticidas nas frutas: cidadãos devem "exigir transparência" Andréia Azevedo Soares, Vera Moutinho

As peras e as maçãs são das frutas produzidas em Portugal que apresentam com maior frequência pesticidas considerados perigosos e que, por isso, já deveriam estar a ser substituídos por produtos com menos impacto na saúde humana e no ambiente. Esta é uma das conclusões de um relatório que analisou a fruta fresca cultivada na Europa em 2019. O documento, divulgado segunda-feira, foi elaborado pela rede ambientalista PAN Europa.

“As autoridades nunca chegaram a remover do mercado [estes produtos] como deveriam ter feito. Havia uma obrigação dos países membros [da União Europeia], incluindo Portugal, de limitar o máximo possível a presença [destas substâncias] e promover alternativas”, afirmou ao PÚBLICO Salomé Roynel, activista da Pesticide Action Network (PAN) na Europa, uma rede fundada em 1987 que reúne 38 organizações empenhadas na defesa do ambiente, promoção da saúde pública e dos direitos do consumidor.

O documento divulgado pela PAN indica que 85% das amostras de peras e 58% das de maçãs cultivadas no país apresentavam resíduos de algum dos 55 pesticidas considerados particularmente nocivos. Desde 2011, os países da União Europeia estão legalmente obrigados a tirar de circulação estes produtos. Estes dois produtos agrícolas nacionais ocupam o segundo lugar da lista europeia de maior proporção de frutas contaminadas em 2019.

Paulo Figueiredo, presidente da Câmara de Moimenta da Beira, no distrito de Viseu, afirmou à agência Lusa que o estudo está “completamente desfasado no tempo”, uma vez que as amostras revelam dados antigos. “Isto está distorcido no tempo, porque nos últimos dois, três anos tem havido uma evolução fantástica a este nível e, por exemplo, os nossos fruticultores têm aplicado e implementado regras muito específicas da União Europeia que obrigam à redução dos pesticidas”, defendeu o autarca, que se orgulha de Moimenta ser responsável por 20% da produção nacional de maçãs.

A lista negra dos pesticidas

À luz desta moldura legal, seria expectável que a presença de substâncias que integram a “lista negra” dos pesticidas fosse cada vez menos reiterada com o passar dos anos. Contudo, o que a análise de 97.170 amostras de frutas frescas da Europa indica é que, pelo contrário, num período de nove anos, houve um aumento de 53% da frequência de exemplares contaminados com os piores tipos de pesticidas. “Este aumento mostra que Portugal e outros países-membros se recusam a colocar em prática a regulamentação”, diz Salomé Roynel ao PÚBLICO, numa videoconferência a partir de Bruxelas.

“Claramente não há uma diminuição do uso destes pesticidas. No caso da fruta, isto é ainda mais preocupante, uma vez que estes produtos são utilizados mais em cima da [hora da] colheita porque muitos inimigos naturais acabam por atacar a cultura nessa altura”, explica ao PÚBLICO Pedro Horta, membro da associação ambientalista Zero. Por receberem os pesticidas perto do momento de serem colhidos e transportados para os supermercados, estes produtos agrícolas estariam mais expostos que outros vegetais, segundo o ambientalista.

Preocupada com facto de tais pesticidas ainda estarem a circular no país, a Zero endereçou este ano uma carta à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) questionando a aprovação de produtos que contêm itens da lista negra. “Estas substâncias continuam a estar presentes em mais de 100 produtos em Portugal”, lamenta Pedro Horta.

O que a lei prevê é que se pondere alternativas de substituição – quer substâncias químicas menos nocivas, quer a adopção de métodos agrícolas de prevenção ou controlo que dispensem ferramentas químicas. Contudo, a resposta da DGAV – numa missiva também consultada pelo PÚBLICO – informa que “não foi possível proceder à substituição de produtos fitofarmacêuticos” que integram a lista negra dos pesticidas “por diversas razões”, incluindo a “falta de alternativas que se traduzam em um número mínimo de quatro modos de acção diferentes, visando uma adequada gestão de resistência dos inimigos”.

“Os produtos novos que são aprovados em Portugal não estão a ser substituídos por alternativas – o que leva a que [os pesticidas perigosos] continuem a ser usados. O que o relatório da PAN também indica é que, dada a frequência com que aparecem nas amostras, também não houve diminuição no uso. Isto quer dizer não só que não estamos a cumprir o regulamento como também que estamos a expor a nossa cadeia alimentar a substâncias que têm risco para a saúde. Estamos a falar de disruptores endócrinos ou de substâncias tóxicas que podem ser acumuláveis e persistentes, podendo causar malformações [fetais]”, alerta o ambientalista

Estando os vegetais cultivados em Portugal expostos a tipos perigosos de pesticidas, como deve então o consumidor fazer boas escolhas? Tanto Salomé Roynel como Pedro Horta sugerem que os cidadãos apostem nos produtos que beneficiaram de práticas agrícolas biológicas. “O ideal mesmo seria que criássemos uma relação com o agricultor, para conhecermos melhor como é produzido aquilo que comemos. Mas isso nem sempre é possível para quem vive em grandes centros”, refere o ambientalista da Zero. Lavar muito bem as frutas e descascá-las antes de comer também “pode reduzir o risco”.

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