EUA
Na soalheira e turística Cape Cod, o Inverno das drogas não tem fim
A população de Cape Cod, destino de férias privilegiado na costa leste norte-americana, luta contra uma das mais altas taxas de consumo de opióides dos Estados Unidos. A Reuters visitou o destino em época baixa e encontrou um território adormecido, onde reinam a desesperança, a negação e o entorpecimento.
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"Quero encontrar alguém para amar que me ame de volta. Sinto falta dessa sensação de companheirismo. Espero poder encontrar isso de novo, um dia. Mas, antes, preciso de me emendar e de endireitar a minha cabeça. Espero que possa recuperar um pouco mais amanhã, durante a reunião. Deus, ajuda-me a encontrar amor verdadeiro de novo, eu preciso dele na minha vida. Obrigado. Fui." Assim escreveu Glenn Bois no seu diário, durante o período de reabilitação da sua adição de opiáceos, em 2019, antes da sua morte por overdose.
Glenn é um dos muitos jovens que perdeu a vida para o consumo de drogas, na turística Cape Cod, na costa leste do estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Massachusetts era, em 2020, o 17.º estado com maior taxa de adição por opióides do país, e Cape Cod um lugar onde os jovens têm dificuldade em manter-se afastados das drogas, sobretudo durante os meses de Inverno, altura em que escasseiam o emprego e a afluência turística.
David Bois, pai do jovem Glenn, visita o túmulo do filho quase diariamente. Para fazer face ao consumo que assola a zona, acredita que seria necessária a criação de mais centros de reabilitação. "Temos poucos e são muito necessários para garantir tratamentos de longo prazo", disse à Reuters. David pertence ao grupo Parents Supporting Parents (PSP), uma organização sem fins lucrativos, destinada a pais cujos filhos lutam contra a adição. "Aquando do último leilão da PSP, percebemos que todas as pessoas com quem conversávamos tinham sido afectadas, directa ou indirectamente, pela toxicodependência. Acho que a comunidade, em geral, tem vontade de ajudar aqueles que lutam contra a adição."
Linda Cubellis, que gere o grupo de suporte há seis anos, disse confirma que a situação se tem agravado na última década, mesmo na pequena cidade de Sandwich. "Até há sete anos, nunca tínhamos perdido um jovem [para overdose]", diz à Reuters, em entrevista. Desde então, já morreram 28. Entre Setembro de 2021 e Março de 2022, morreram três pessoas.
Ashlee sabe o quão difícil é resistir à tentação do consumo. Sóbria há seis anos, já viu "mais amigos a morrer do que a lograr uma recuperação", lamenta. A mulher de 33 anos estima já ter perdido entre 15 a 20 amigos, todos vítimas do consumo excessivo de drogas. Elizabeth Cleary, ex-toxicodependente há dez anos e residente em Cape Cod há 33, por sua vez, não compreende o motivo pelo qual a crise de opiáceos não está a ser encarada pelo Governo norte-americano como um problema de saúde pública. "É tão comum como o cancro ou o eczema", compara. "Por que motivo não o reconhecemos?"
O combate ao estigma associado ao consumo é, no entanto, uma das preocupações apresentadas pelo chefe de departamento da Esquadra da Polícia de Dennis, Ryan Carr. "Tentamos mostrar que as pessoas não escolhem acordar de manhã e precisar de uma dose de droga, que elas não querem isto", explica à Reutas. "Elas precisam de ajuda", conclui.