A importância do treino e da consolidação das aprendizagens

Quem trabalha hoje em dia com crianças constata que, se bem que tenham muitos interesses, estes são frequentemente voláteis, assentes na motivação para começar a pesquisar um tema da sua área de interesse, mas pouca persistência para aprofundar e concluir a investigação.

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Nuno Ferreira Santos

Os projetos educativos mais tradicionais, centrados no treino de capacidade e na replicação de conhecimentos, se bem que transmitam o sólido património de conhecimentos acumulado pela humanidade, não preparam os estudantes para lidarem com o novo e o desconhecido. Não obstante, com a velocidade e imprevisibilidade das transformações mais recentes na sociedade, torna-se cada vez mais necessário que as escolas promovam, nos seus alunos, novas competências para enfrentarem o mundo que os espera e que, na verdade, ninguém sabe ao certo qual irá ser.

Ou seja, se ninguém pode, com propriedade, antecipar que conhecimentos e competências irão ser necessários aos alunos que neste momento frequentam a escola na altura em que, mais tarde, entrarem no mercado de trabalho, há algo de que, em contrapartida, não se pode duvidar: a imprevisibilidade do futuro exige que a escola, em vez de criar apenas replicadores de informação, também forme autores de pensamento.

Nesta época em que a educação se vê confrontada com o desafio de educar as novas gerações para um mundo que desconhece, os projetos educativos mais inovadores correspondem à necessidade de preparar os alunos para lidarem com o novo e o desconhecido, mobilizando as competências de que dispõem para acederem a novos conhecimentos e para desenvolverem novas capacidades. Entre as novas competências e atitudes necessárias para enfrentar um mundo em transformação contam-se a criatividade e a imaginação, o pensamento crítico e divergente, a adaptabilidade e a flexibilidade, a liberdade e a curiosidade, a reflexão e a autonomia, a iniciativa e a ousadia.

Porém, o desenvolvimento destas competências não tem de excluir necessariamente a memorização, o treino, a consolidação e a sistematização das aprendizagens, por dois motivos fundamentais. Primeiro, porque a memorização e o treino são essenciais para a consolidação das aprendizagens escolares. Segundo e não menos importante, porque a sistematização e a consolidação são relevantes para o desenvolvimento das noções de estabilidade, permanência, confiabilidade e profundidade. Estas noções contribuem não só para tornar a atenção das crianças mais profunda e duradoura, como também para o cerramento dos propósitos e das atividades. Mas vamos por partes.

Em primeira análise, se é determinante privilegiar o significado e a autenticidade das aprendizagens, bem como a motivação intrínseca do sujeito que aprende e o entusiasmo pelo processo de descoberta, também é importante insistir na memorização das regras ortográficas e investir no treino dos algoritmos matemáticos para a consolidação destes conhecimentos. As aprendizagens realizadas nos primeiros anos de escola são estruturantes para as dos ciclos de escolaridade subsequentes, que dependem, em grande parte, da solidez destes alicerces.

Tal como escreve Byung-Chul Han, no livro Do Desaparecimento dos Rituais, “muitas formas de repetição, como por exemplo aprender de memória, são hoje vetadas com a alegação de que reprimem a criatividade e a inovação”. Segundo este filósofo, esta excessiva valorização da inovação e da criatividade coage-nos permanentemente ao novo, em detrimento da repetição. Na busca de novos estímulos, excitações e experiências, perdemos a capacidade de repetição. Contudo, na sua perspetiva, as repetições fazem com que a atenção se estabilize e se torne mais profunda, dando estabilidade à vida.

Quem trabalha hoje em dia com crianças constata que, se bem que tenham muitos interesses, estes são frequentemente voláteis, assentes na motivação para começar a pesquisar um tema da sua área de interesse, mas pouca persistência para aprofundar e concluir a investigação. A atenção dos mais novos tende a centrar-se nos começos, de uma forma superficial, sem procurar aprofundar as temáticas, estando sempre pronta para sobrevoar os assuntos, passando de uns para os outros de forma algo inconsequente.

Para tornar a atenção das crianças mais profunda, duradoura e consistente, é fundamental aliar ao entusiasmo e à frescura dos inícios a persistência e a resiliência dos fins, tão relevantes para concluir aquilo que se iniciou. Nesta linha, o treino e a consolidação representam a fase final da aprendizagem de um determinado conteúdo, permitindo a solidificação das aprendizagens e o encerramento de um assunto, antes de dar início ao próximo.

Na obra O Aroma do Tempo, Byung-Chul Han refere que “a falta de gravitação faz com que todas as coisas só superficialmente se aflorem. Nada importa. Nada é decisivo. Nada é definitivo”. Nas suas palavras, o excesso de possibilidades poucas vezes conduz a uma conclusão. Num processo aberto e infinito, nada chega ao fim. Desta forma, desaprendemos a capacidade de encerrar. A eliminação das formas de cerramento não permite nenhuma conclusão, tornando tudo provisório e inacabado.

Nas palavras do citado filósofo, “a inquietação generalizada não permite que o pensamento se aprofunde, que se distancie, que chegue a algo de verdadeiramente novo”. “Sem a negatividade do cerramento, produz-se uma incalculável adição e acumulação de igual, uma desmesura de positividade, uma proliferação adiposa de informação e comunicação”, salienta Byung-Chul Han. Como consequência, a inconclusão torna-se um estado permanente. “Evita-se a sensação de chegar à meta.”

É que, para chegar a algo de verdadeiramente novo, não basta a novidade. É imprescindível o aprofundamento e este depende, em grande medida, da capacidade de insistir e persistir, superando obstáculos e concentrando a atenção de forma duradoura, de modo a finalizar aquilo que se começou. É o culminar dos processos que induz as tão estruturantes noções de princípio, meio e fim, intrinsecamente interligadas.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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