Pela consciência serena dos discursos

O Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia vem relembrar-nos que um dia as coisas não eram tão pacíficas como hoje. Que a educação para a cidadania e para o respeito face às questões da sexualidade era inexistente e, mesmo agora, é considerada por várias vozes como doutrinária e dogmática.

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Reuters/BERNADETT SZABO

"Poder ser,/ mais que uma morte iminente,/ uma vida por haver.”

Escrevi estes versos pretendendo que fossem os possíveis últimos de um poema ainda em construção. Significam o reconhecimento e o enaltecimento do estar aqui, ante o deixar de estar. Dos planos do ser e do agir ao invés das ruínas da paralisia e da brutalidade.

Em tempos, mesmo nos países com maiores índices de desenvolvimento, ser-se bissexual, homossexual ou transexual era uma condição de desvio punível por lei. A lógica da natureza, advogava quem era a favor da criminalização daquelas individualidades, estaria a ser quebrada, pois essa lógica era também a vontade divina heteronormativa que não poderia ser contrariada por meras/os mortais. Por isso, à culpa social, quer primeiro atribuída colectivamente, quer depois incorporada pela própria pessoa ao ponto de se sentir indesejada e excluída, juntava-se o castigo jurídico e o diagnóstico de doença. Seriam, pois, então, marginalidades sexuais cujo tratamento correspondia a uma cura para a/o paciente e a uma recuperação da estabilidade social, por momentos ameaçada por estas indignidades.

Felizmente, muita coisa mudou até 2022. Se atentarmos no contexto português, múltiplos direitos LGBTQ+ já foram conseguidos, sobretudo no final do passado século e já durante este: a possibilidade de ingressar nas Forças Armadas (ainda que transgénero permaneçam ausentes desta prerrogativa) (1999); de ser protegida/o em situação de violência doméstica (2007); de ver criminalizadas práticas de ódio alicerçadas na discriminação sexual (2007); de pessoas do mesmo sexo constituírem matrimónio (2010) e adoptarem (2015); de doar sangue (2021); entre vários outros. Contudo, esta é uma batalha diária que tem de ser garantida por todas as instâncias da nossa sociedade e das sociedades das outras nações, de forma serena, mas igualmente exigente, em prol de uma igualdade plena perante a lei e perante as representações sociais.

Sabemos que a expressão da sexualidade é uma performatividade. E é com essa performatividade, livre de complexos e repleta de sentimentos, que alguns grupos sociais vivem muito mal. Ela é uma expressão de existência social, ou seja, de participação cívica e mesmo política, de afirmar “eu conto porque sou”. Ou “eu sou porque conto” uma história de mim que merece, como qualquer outra, ser narrada e transmitida, num teatro em que nenhuma personagem é figurante porque cada vivência conta.

O Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia, que se comemora a 17 de Maio, vem relembrar-nos que um dia as coisas não eram tão pacíficas como hoje. Que a educação para a cidadania e para o respeito face às questões da sexualidade era inexistente e, mesmo agora, é considerada por várias vozes como doutrinária e dogmática, ao invés de promotora da abertura de mundos, da inclusão social e da diminuição da violência contra estes seres humanos que compartilham estas matizes nas suas identidades sexuais. Seres humanos como eu que somente desejam viver pelas regras do amor e não por alegados feitiços que pretensiosamente desejam lançar às novas crianças e jovens no sentido de as tornar imitações de nós.

Não descarto que haja sempre quem se defina pela raiva e pelo rancor para com terceiros e, ao abordarmos as pessoas bi, homo e trans, não escapamos a generalizações que frequentemente encontramos e que são, também elas, apressadas sobre os indivíduos heterossexuais. Todavia, também não nos podemos deixar iludir pensando que estas máculas na defesa de um valor tão importante como o é da igualdade esvaziam lutas e vitórias outrora e hodiernamente imprescindíveis para vivermos num Portugal mais justo e protector de todas as humanidades.

Recupero, terminando este texto, a ideia da serenidade. O combate contra as fobias relativas à diversidade sexual é intenso, mas tem de ser levado a cabo de modo pacífico. Não pode ser uma imposição bruta sem explicação paciente nem uma dominação sem educação competente. Para quem se pauta por uma mundivisão conservadora, há que explicar que a liberdade de ser e de escolher ser não prejudica as finanças, o ambiente, a saúde, a justiça, o trabalho, a segurança social ou a coesão territorial de um país. Aliás, pode contribuir para melhorar os resultados em todos esses campos de acção no sentido em que a liberdade possibilita que os sujeitos sejam mais felizes, logo, colaborem mais e melhor em prol do desenvolvimento colectivo.

Para o outro pólo, tangente à radicalização das opiniões que emancipam a agressão verbal contra a heterossexualidade, há que desdramatizar. Não se pede a uniformização das opiniões, antes uma estratégia inteligente para construir pontes duradouras de comunicação e entendimento entre dissensões – mesmo entre aquelas que aparentemente são inconciliáveis.

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